Os presidentes viajam para a abertura dos Jogos Olímpicos. Na Síria, prosseguem as operações militares. Na África subsahariana, os meios de intervenção ocidental são muito limitados.
As autoridades nacionais continuam a falar em “guerra contra o terrorismo”, o que desafia a lógica: não se faz guerra contra um método de combate.
A Europa não está em guerra porque os apelos à mobilização são seguidos por mensagens que só dão armas ao inimigo. Quem fala em ataques à “comunidade católica” ou à “comunidade judaica”, esquece que uma nação de cidadãos é o contrário de um mosaico de comunidades.
A Europa não está em guerra porque não aplica soluções para impedir o financiamento de locais de culto radical nem corta os financiamentos da propaganda Salafi-Wahhabique que favorecem as acções jihadistas.
A luta contra as redes islamitas exige desenvolvimento económico e social, mas também um forte compromisso das forças políticas em não tolerar pactos com os fundamentalistas islâmicos e seus agentes de países como Arábia Saudita, Qatar, e Líbia.
A Europa não estará em guerra enquanto não lutar contra os jihadistas usando as regras de direito comum e dando advertências aos media que se sobreponham aos pareceres técnicos das Entidades Reguladoras da Comunicação. Os velhos partidos políticos que cohabitam com os proprietários dos meios de comunicação e as vedetas dos media pouco fazem. Falta o envolvimento dos cidadãos.
Quase se pode dizer que alguns media são coprodutores dos eventos terroristas. Os canais de notícias informam mal, espalham boatos e rumores, difundem imagens que disseminam o medo, e ostentam a tagarelice dos auto-proclamados especialistas. Tudo isto reforça a propaganda jihadista.
A informação séria vem do Ministério Público e das Administrações Internas . O resto do tempo dos media é emoção e, a cada cinco minutos, o nome do canal informativo, porque a concorrência é dura. Esta histeria dos media desestabiliza as pessoas e encoraja os actos terroristas.
O objectivo remoto dos fundamentalistas é desencadear guerras civis na Europa a partir dos conflitos identitários e comunitários que acendem com cada atentado. Assim procede o Daesh e assim declara o sírio Abu Musab al-Suri, como explicado por Gilles Kepel .
Al-Suri prega a luta contra os apóstatas, islamófobos e judeus, as vítimas escolhidas. Uma vez que os políticos clássicos estão desacreditados e não servem para vítimas – o Daesh não ataca ministros, nem deputados nem banqueiros – os fundamentalistas procuram pessoas com que a sociedade se identifique. Escolhem alvos como Cabu, Wolinski, Charb, em França, ou gente anónima nas ruas, metros, ou centros comerciais, para criar a revolta e abrir as portas à guerra civil.
O objectivo é sempre o mesmo: promover a guerra entre grupos, entre comunidades imaginárias sobre cujos escombros nasceria um imaginário califado da Europa.
Na Europa de hoje, tal como na ex-Jugoslávia não é o ódio religioso que causa os atentados: são os extremistas de ambos os lados que querem destruir a boa vizinhança
Não se trata de guerra religiosa. Tanto o Papa Francisco como as autoridades religiosas das outras duas grandes religiões defendem exemplarmente a paz. Após cada ataque têm renovado as mensagens e manifestações de repúdio do terrorismo. Podemos ter a certeza de que qualquer escalada de provocações trará nova manifestação de reconciliação entre as autoridades religiosas.
Jean-Yves Camus, director do Observatório da Fundação Jean Jaurès afirma que os ataques jihadistas visam provocar a extrema-direita. Não há, de momento, risco de crescimento da extrema-direita.
Face a este panorama, é importante identificar as propostas que mobilizam contra o fundamentalismo.
O primeiro esforço é a escolha das palavras. Falar de guerra será aceitável quando ela se impuser. Se queremos a Europa mobilizada contra o terrorismo, devemos começar por dizer que esta mobilização é pela cidadania. Em particular isso deve ser explicado aos jovens, susceptíveis de incorporarem as forças armadas e as forças de segurança.
Depois, a batalha da informação. É preciso que as cadeias de televisão não sejam coprodutoras dos ataques terroristas. A informação em tv’s, jornais e redes sociais deve ser complementada por informações pessoais procuradas noutras fontes que divulgam o trabalho de pesquisadores em filosofia, economia, religião, direito, geopolítica …
Depois, vem a batalha contra o medo: é uma luta pessoal e uma exigência colectiva. É preciso evitar que o medo se espalhe e degenere em pânico. Nunca esquecer que os terroristas são empreiteiros do medo. A batalha da informação ajuda a conter medos e dirige a energia para as acções necessárias.
Vem seguidamente a luta no terreno contra os fundamentalistas islâmicos na Europa onde operam através do salafismo-wahhabismo com correntes de transmissão em França, Alemanha e Espanha.
Finalmente, vem a guerra com operações militares. Os campos de batalha de hoje podem não ser os de amanhã. Os jihaddistas infestam os territórios iraquianos e sírios e a África subsahhariana mas amanhã poderão saltar para a Turquia, ou Líbia. Para um país como Portugal poderá ser interessante cooperar com as operações do exército francês no Sahel, barrando a Àfrica contra o jihadismo.
A Europa precisa de uma mobilização pela cidadania contra os fundamentalistas islâmicos que visam criar um ambiente de guerra civil entre “comunidades”. Os jihadistas agrupam-se em pequenas células mas não representam uma verdadeira alternativa ao estilo de vida ocidental.
A finalizar, sugiro que vejam o filme britânico Eyes in the Sky de 2016. É um retrato dos dilemas em que se chocam as duas grandes tradições de direitos no Ocidente usadas contra os fundamentalistas: o direito supremo da comunidade sobreviver – salus populi suprema lex esto – como diziam os romanos; e os direitos humanos levados ao ponto extremo de fazer justiça, mesmo que o mundo se perca.
É este dilema que está no centro da mobilização das nações europeias.