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Sábado, Abril 27, 2024

Morreu Laurindo Vieira, sociólogo, académico e intelectual angolano

M. Azancot de Menezes
M. Azancot de Menezes
PhD em Educação / Universidade de Lisboa. Timor-Leste

Quem conheceu Laurindo Vieira ficou profundamente consternado com a notícia da sua morte ocorrida no dia 11 de Janeiro, em Luanda, vítima de um crime hediondo. Tive o prazer de conhecer o Laurindo no ISCED de Luanda, há 16 anos.

Em 2006, Laurindo Vieira, Filipe Zau (actual Ministro da Cultura) e eu, fomos apresentados por Filemon Buza, na altura Chefe do Departamento de Ciências da Educação, como os três docentes que iriam trabalhar no Instituto Superior de Ciências da Educação de Luanda (ISCED de Luanda) para reforçar a equipa de docentes na área das Ciências da Educação.

Este dia para mim foi muito importante e histórico porque tive o primeiro contacto com alguns dos principais pensadores angolanos da área da educação com prestígio e elevado nível intelectual.

Nessa reunião estiveram presentes, para além de nós, outros queridos colegas e amigos de elevada craveira intelectual, nomeadamente Pedro Domingos Peterson e Maria Luísa Araújo (ambos falecidos), Isaac Paxe, entre outros, pedagogos que marcaram de forma significativa a mudança e a inovação educacional em Angola.

Foi neste contexto que tive a satisfação de iniciar amizade com Laurindo Vieira, um dos grandes sociólogos da educação que Angola conheceu. Ele dizia-me com orgulho que era discípulo de Ronal de Stoer, sociólogo da educação português, falecido em 2005, e que revolucionou a sociologia da educação em Portugal.

Laurindo referia com regozijo o nome de Stoer porque foi seu orientador na tese de doutoramento.

Mas, outros momentos ligados a Laurindo Vieira ficaram registados na minha memória, que recordo agora com saudade e quero partilhar, em jeito de homenagem.

Arlindo Isabel, Director da Editora Mayamba, em 2010, precisava de alguém para apresentar o meu livro intitulado “Reflexões sobre Educação” e estava com dificuldade em encontrar o nome da pessoa ideal, tendo-me perguntado: “Pode ser o Dr. Laurindo Vieira?” e eu respondi de imediato: “Esse sim, é um intelectual a sério..”, tendo sido o apresentador da minha obra lançada em 2010 no ISCED de Luanda.

Laurindo Vieira era um personagem sob o ponto de vista intelectual bastante “provocador”, no bom sentido do termo, muito característico dos sociólogos, e vaidoso, mas uma vaidade simples e que contagiava pela simpatia e doçura.

Recordo-me de lhe ter dito uma vez que a obra “Reflexões sobre Educação” tinha vendido 400 exemplares logo no dia da apresentação. Imediatamente, com o seu sorriso habitual, referiu: “Isso aconteceu porque fui eu o apresentador do livro” (sorrisos).

Há um outro episódio revelador da personalidade de Laurindo que aconteceu no âmbito de uma Mesa Redonda promovida pelo Ministério do Ensino Superior, Ciência e Tecnologia, em que foram prelectores, Filipe Zau, Isaac Paxe, Esperança Peterson e eu.

Na minha intervenção, na medida em que também sou provocador, afirmei no auditório “temos docentes pedagogicamente incompetentes”. No debate que se seguiu, no seu estilo habitual, Laurindo Vieira perguntou: “Prof. Azancot, o que significa pedagogicamente incompetentes?”.

Este era o carácter de Laurindo Vieira, uma figura incontornável da elite intelectual de Angola e que se assumia de corpo e alma como sociólogo da educação porque gostava de questionar com profundidade todas as questões sociais na expectativa de provocar debate, reflexão e mudança, uma personalidade que é espelhada através da sua obra com o título “Angola – A dimensão ideológica da educação”.

Título de uma obra de Laurindo Vieira

Natural da Província do Uíge (Dange-Quitexe), doutorado em sociologia da educação, Laurindo Vieira começou por ser docente no ISCED de Luanda, foi Director do Instituto Superior de Serviço Social e mais recentemente foi nomeado Reitor da Universidade Gregório Semedo de Luanda.

Ultimamente tornou-se comentarista na TV Zimbo para analisar questões de ordem social e cultural. Ironicamente, Laurindo Vieira, o mesmo que comentava sobre “como combater a criminalidade, causas, consequências e soluções”, com 60 anos de idade, foi cobardemente assassinado por bandidos armados, em plena luz do dia, no Bairro Patriota – Luanda, depois de ter saído de um Banco.

Laurindo Vieira tinha a convicção de que ao ensinar sociologia estava a contribuir para que os professores melhorassem as suas práticas pedagógicas, neste sentido, considero que o seu enorme contributo foi fundamental para a consolidação da sociologia da educação em Angola.

Pela amizade e excelente colegialidade profissional que mantive com o saudoso Laurindo Vieira, com profunda tristeza, transmito à família enlutada os meus sentimentos de pesar pela perda irreparável do nosso ente querido.

Laurindo Vieira, descansa em paz!

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