O impacto do aumento de 35€ do Salário Mínimo Nacional em 2021 nas empresas do setor privado
Um aumento de 35 € do Salário Mínimo Nacional em 2021 determinaria um aumento da MASSA SALARIAL do setor privado que se estima apenas entre 0,7% e 0,9%, com base em dados oficiais (INE e MTSSS) o que é perfeitamente comportável para as empresas, mesmo para as que empregam mais trabalhadores a quem pagam apenas o salário mínimo nacional
Neste estudo analiso o impacto para as empresas do setor privado, nomeadamente para as que empregam mais trabalhadores a quem pagam apenas o salario mínimo nacional, um aumento de 35€ mostrando que ele é reduzido e perfeitamente comportável até para estas empresas. E isto porque as associações patronais e os seus defensores na comunicação social, aproveitando a crise causada pela pandemia, desenvolvem uma forte campanha de manipulação da opinião para pressionar o governo a não aumentar o salário mínimo nacional em 2021 ou a fazer um aumento irrisório.
E o governo parece que pretende ceder a essa pressão e chantagem, esquecendo o que se comprometeu, e dando o dito por não dito. Neste estudo mostro também que o aumento do salário mínimo nacional é fundamental não só para combater as desigualdades que se estão agravar neste período de crise, mas também para promover o consumo interno, aumentar a procura e salvar fundamentalmente as micro e pequenas empresas que enfrentam uma grave crise precisamente devido precisamente a uma quebra brutal nas suas vendas por falta de clientes que adquiram os seus produtos e serviços..
Espero, que este estudo possa ser um contributo para uma reflexão objetiva sobre a atual situação, como superar a atual crise, e também para defesa daqueles que menos têm e que, por isso, são os que mais estão a sofrer com esta crise, ou seja, os eternos esquecidos.
Estudo
O aumento do Salário Mínimo Nacional: um aumento de 35€ do Salário Mínimo Nacional determinaria um aumento da Massa Salarial do setor privado apenas entre 0,7% e 0,9%
Para que se possa ficar com uma ideia mais clara da situação de centenas de milhares de trabalhadores que recebem no nosso país apenas o salário mínimo nacional, e daquilo que o atual governo tinha prometido, e que agora, cedendo às pressões dos patrões, parece querer fazer, dando o dito por não dito, observem-se os dado do quadro seguinte.
Quadro 1 – Salário Mínimo Nacional atual e Salário Mínimo prometido pelo governo e o que pretende aprovar
DESIGNAÇÃO | 2020 – Em vigor | 2021 – Prometido inicialmente pelo governo | 2021 – Aquele que o governo pretende aprovar |
SALARIO MINIMO NACIONAL ILIQUIDO | 635,00 € | 670,00 € | 658,75 € |
Desconto para a Segurança Social (11%) | 69,85 € | 73,70 € | 72,46 € |
SALARIO MINIMO NACIONAL LIQUIDO | 565,15 € | 596,30 € | 586,29 € |
Aumento do SMN liquido em relação ao de 2020 em euros | 31,15 € | 21,14 € |
Em 2020, o Salário Mínimo Nacional (SMN) ilíquido é de 635€ mas, deduzindo o desconto para a Segurança Social , fica reduzido a apenas 565€. Um valor que todos considerarão que está abaixo do mínimo necessário para um trabalhador poder ter uma vida com um mínimo de dignidade.
O atual governo tinha prometido que, em 2021, o SMN seria aumentado para 670€ para poder , em 2023, atingir 750€. O objetivo dos 750€ em 2023 foi reiterado pelo governo, através da ministra do Trabalho, da Solidariedade e de Segurança Social, em conferência de imprensa realizada em 14/11/2029, aquando do anúncio do salário mínimo nacional para 2020. Um Salário Mínimo Nacional de 670€ (o prometido para 2021) corresponde a um salário líquido (após o desconto para a Segurança Social) de 596,30€, mas embora seja um valor reduzido, aproveitando a pandemia, os patrões pressionaram o governo para que o SMN não seja aumentado, ou então que o aumento seja muito menor.
O governo cedendo a tais pressões parece que pretende aprovar um aumento do salário mínimo em 2021 de apenas 23,75€. e não os 35€, ficando assim mais longe o objetivo do SMN atingir 750€ em 2023. E a justificação do governo, que é também a dos patrões, é que o impacto do aumento de 35€ do salário mínimo seria incomportável para as empresas. Interessa, por isso, analisar esta questão com objetividade. Para isso vai-se utilizar apenas dados oficiais.
Um aumento do Salário Mínimo Nacional de 35€ representa um aumento da massa salarial global do setor privado de apenas 0,9%, se considerar a remuneração média bruta base, e somente de 0,7% se considerar a remuneração bruta total
Segundo dados publicados no Boletim Estatístico de Setembro de 2020 do Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, a percentagem de trabalhadores do setor privado a receber o Salário Mínimo Nacional (SMN) era, em abril de 2019, 25,6% (em Outubro 22,1% devido à sazonalidade do emprego dos trabalhadores que recebem o salário mínimo nacional). Por outro lado, segundo o INE, no 2º Trim.2020, o número de trabalhadores por conta de outrem, no nosso país, era 3.937.600. Se retirarmos a este total, os trabalhadores das Administradores Públicas – 705.212 segundo a DGAEP – ficam 3.232.500.
Portanto, é este o número de trabalhadores por conta de outrem no setor privado. Se calcularmos 25,6% (o valor mais elevado) deste total obtém-se 825.700 que serão os que deverão estar a receber o Salário Mínimo Nacional segundo o Ministério do Trabalho.
O INE publica mensalmente dados sobre as remunerações declaradas à Segurança Social pelas entidades patronais. No 1º semestre de 2020, a remuneração média bruta BASE mensal declarada por trabalhador foi 999€ e a remuneração media bruta TOTAL mensal, que inclui a remuneração base e subsídios, por trabalhador, foi 1263€. Fazendo os cálculos necessários conclui-se que um aumento de 35€ determinaria um aumento na MASSA SALARIAL DO SETOR PRIVADO, tendo como base de cálculo a remuneração média bruta base, de apenas 0,9%, e se o cálculo for feito utilizando a remuneração média bruta total mensal, o aumento da Massa Salarial do setor privado seria apenas de 0,71%.
E se tiver presente que, segundo o INE, os custos com pessoal representam apenas 16% dos custos totais das empresas não financeiras, consequente um aumento de 0,71% nos custos com pessoal determina apenas uma subida de 0,12% nos custos totais das empresas. É ridículo e enganoso dizer que tal aumento dos custos totais é incomportável para as empresas.
O aumento no Salário Mínimo Nacional de apenas 23,75€, como parece pretender o governo, determinaria um aumento na Massa Salarial total paga pelo setor privado, respetivamente, apenas de 0,61% e 0,48% conforme se utilize a .remuneração mensal bruta base ou a remuneração mensal bruta total, o que reduziria o aumento nos custos totais para 0,08%, valor ridículo e inaceitável.
O impacto de um aumento de 35€ do Salário Mínimo Nacional nos setores com maior percentagem de trabalhadores a receber o Salário Mínimo Nacional é reduzido
Um dos argumentos mais utilizados por aqueles que se opõem ao aumento de 35€ do Salario Mínimo Nacional é que tal subida teria um impacto incomportável para as empresas, nomeadamente dos setores da atividade económica que empregam mais trabalhadores a quem pagam apenas o Salario Mínimo Nacional (Construção, Alojamento e restauração, Atividades imobiliárias, Atividade de saúde e apoio social e Outras Atividades e serviços).
O quadro 2, construído com dados divulgados pelo Ministério do Trabalho e pelo INE, mostra a falácia de tal argumento bem como o reduzido impacto que um aumento de 35 € no Salário Mínimo Nacional teria mesmo nas atividades do setor privado que empregam mais trabalhadores a quem pagam apenas o Salário Mínimo Nacional.
Quadro 2: Estimativa do impacto nas diversas atividades económicas do setor privado que resultaria de um aumento de 35 euros no Salário Mínimo Nacional – Dados do INE (numero total de trabalhadores e remunerações) referentes a junho de 2020
PORTUGAL | Número de trabalhadores | % de trabalhadores que recebe SMN | Nº trabalhadores a receber o SMN Milhares | Remuneração média bruta total (RMBT) | Remuneração média bruta base (RMBB | MASSA SALARIAL ANUAL calculada com base no RMBT e RMBB- Milhões € | Custo anual de um aumento de 35€ do SMN Em milhões € | Cálculo do IMPACTO: Percentagem que o aumento de 35€ representa na Massa Salarial anual de cada setor calculada com base no RMBT e no RMBB | ||
Milhares | Euros | RMBT | RMBB | RMBT | RMBB | |||||
Indústrias extrativas | 8,6 | 18,6% | 2 | 1 504 € | 1 035 € | 181 | 125 | 1 | 0,43% | 0,63% |
Indústrias transformadoras | 669,8 | 28,1% | 188 | 1 119 € | 902 € | 10 493 | 8 458 | 92 | 0,88% | 1,09% |
Construção | 279,1 | 32,3% | 90 | 928 € | 776 € | 3 626 | 3 032 | 44 | 1,22% | 1,46% |
Comércio por grosso e a retalho; reparação de veículos automóveis e motociclos | 635,3 | 26,7% | 170 | 1 128 € | 866 € | 10 033 | 7 702 | 83 | 0,83% | 1,08% |
Transportes e armazenagem | 173,4 | 12,6% | 22 | 1 484 € | 1 019 € | 3 603 | 2 474 | 11 | 0,30% | 0,43% |
Alojamento, restauração e similares | 275,0 | 39,2% | 108 | 761 € | 658 € | 2 930 | 2 533 | 53 | 1,80% | 2,09% |
Atividades de informação e de comunicação | 124,5 | 8,5% | 11 | 2 041 € | 1 533 € | 3 557 | 2 672 | 5 | 0,15% | 0,19% |
Atividades financeiras e de seguros | 84,6 | 8,5% | 7 | 2 440 € | 1 703 € | 2 890 | 2 017 | 4 | 0,12% | 0,17% |
Atividades imobiliárias | 45,4 | 29,2% | 13 | 1 029 € | 883 € | 654 | 561 | 6 | 0,99% | 1,16% |
Atividades de consultoria, científica, técnicas e similares | 180,5 | 12,4% | 22 | 1 470 € | 1 177 € | 3 715 | 2 974 | 11 | 0,30% | 0,37% |
Atividades administrativas e dos serviços de apoio | 276,1 | 26,5% | 73 | 892 € | 663 € | 3 448 | 2 563 | 36 | 1,04% | 1,40% |
Educação | 274,8 | 12,4% | 34 | 2 181 € | 1 662 € | 8 391 | 6 394 | 17 | 0,20% | 0,26% |
Atividades de saúde humana e apoio social | 374,7 | 31,1% | 117 | 1 406 € | 1 005 € | 7 376 | 5 272 | 57 | 0,77% | 1,08% |
Atividades artísticas, de espectáculos, desportivas e recreativas | 37,8 | 21,3% | 8 | 1 186 € | 959 € | 628 | 508 | 4 | 0,63% | 0,78% |
Outras atividades de serviços | 82,6 | 32,5% | 27 | 1 047 € | 863 € | 1 211 | 998 | 13 | 1,09% | 1,32% |
FONTE: Boletim Estatistico – Setembro 2020 – Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social; Estatisticas do Emprego – Remuneração bruta mensal média por trabalhador – Agosto 2020 – INE |
Como mostram os dados do INE e do Ministério do Trabalho, tomando com base de cálculo a Remuneração média bruta total em junho de 2020, assim como o número de trabalhadores cujas empresas declaram as remunerações para a Segurança Social, um aumento de 35€ no salário mínimo nacional determinaria um aumento na massa salarial por setores de atividade económica que varia entre 0,12% (Atividades financeira e seguros) e 1,8% (alojamento, restauração e similares), aumentos percentuais muito baixos facilmente absorvidos pelas empresas.
Um exemplo:
Segundo o INE, os custos com pessoal das empresas de “Alojamento , restauração e similares” representam 29% dos seus custos totais, logo um aumento de 1,8% na Massa Salarial total determina apenas um aumento de 0,52% nos custos totais das empresas deste setor de atividade. Afirmar que um aumento nos custos totais desta dimensão é incomportável para as empresas é enganar a opinião pública e virá-la contra os que menos têm ou então fruto de pura ignorância e de ausência de estudo da realidade.
O aumento do Salário Mínimo Nacional é um instrumento importante para dinamizar a procura interna, aumentando as vendas das empresas que enfrentam um crise grave devido à queda brutal do seu volume de negócios
Um dos problemas mais graves que enfrentam atualmente as empresas, e que constitui um obstáculo muito grande à recuperação económica, é a queda significativa que se verificou na procura que se traduziu numa quebra brutal nas vendas das empresas (estão abertas mas não têm clientes) , levando muitas delas já à falência e muitas outras caminham para idêntica situação se não se verificar um aumento rápido do consumo.
Segundo o INE, no 2º Trim.2020, quando comparado com idêntico período de 2019, verificou-se uma quebra na procura interna de -11,9% , e na procura externa líquida de -4,4%, o que determinou uma quebra do PIB em -16,3%. O consumo privado diminuiu em -14,5%, o publico em -3,5%., o investimento em -10,9% , e as exportações reduziram-se em -39,5%. A esmagadora maioria das empresas paralisaram os investimentos, e a recuperação do investimento privado vai ser tardia e lenta, e o investimento público tarda a arrancar (de janeiro a agosto de 2020, o investimento público foi apenas de 2.707 milhões €, um valor ridículo, quando comparado com os juros pagos pelo Estado pela divida publica que atingiu 5.032 milhões € no mesmo período, quase o dobro).
As exportações também vão ser difíceis de recuperar tendo em conta a situação crise que enfrentam os países que mais importavam de Portugal. Resta-nos o consumo interno para dinamizar rapidamente a economia e salvar muitas empresas da falência.
O aumento do salario mínimo em 35€ injetaria dinheiro na procura – mais algumas centenas de milhões € de consumo – pois os trabalhadores que recebem o salário mínimo nacional gastam tudo que recebem para poder sobreviver e, para além disso, não estão em teletrabalho, o que reanimaria fundamentalmente as micro e pequenas empresas que lutam atualmente para sobreviver porque as vendas realizadas são insuficientes para cobrir os custos.
O aumento do Salário Mínimo é também um instrumento importante para combater as desigualdades que aumentaram com a pandemia e a miséria que está a alastrar rapidamente por todos o país
Antes da pandemia, segundo o INE, 1.770.000 portugueses, 10,8% (525.000) dos trabalhadores com emprego e 47,5% dos desempregados estavam no limiar da pobreza. Esta realidade, que já era muito grave, agravou-se ainda mais com a pandemia que fez explodir o desemprego (atualmente mais de 655.400 trabalhadores estão desempregados e apenas 224.500 é que recebem subsídio de desemprego, ou seja, apenas 34 em cada 100), agravar o fosso das desigualdades, e alastrar a miséria e a fome pelo país. Só não vê quem não quer ver.
O salário mínimo nacional, e o seu aumento, tem um papel fundamental no combate às desigualdades, na medida que impede que o leque salarial se alargue ainda mais, e no combate à miséria em que vivem muitas famílias portuguesas e que se agravou com a crise. Isto porque o valor do salário mínimo atual não só é insuficiente para viver com um mínimo de dignidade mas também porque em muitas destas famílias alguns dos seus membros perdeu o emprego.
Portugal, um país em que o ganho médio está cada vez mais próximo do Salário Mínimo Nacional
Uma economia baseada em baixos salários que determina reduzida competitividade, frágil e não preparada para enfrentar crises
O gráfico 1 mostra de uma forma clara que o crescimento da economia portuguesa e a criação de emprego, no período anterior à crise causada pela pandemia, baseou-se em baixos salários.
Gráfico 1: Salário mínimo nacional em % do ganho médio mensal em Portugal – Eurostat
Entre 2009 e 2018, a percentagem que o salário mínimo representa do ganho médio dos trabalhadores portuguese aumentou de 43,2% para 49,7%, o que significa que a esmagadora maioria dos trabalhadores tem um ganho mensal cada vez mais próximo do salário mínimo nacional , o que é só explicado pelas baixas remunerações dos trabalhadores portugueses.
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