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Sábado, Abril 20, 2024

O sistema financeiro e o sector da inovação

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

A falência do Silicon Valley Bank, que quase imediatamente arrastou os congéneres Silvergate e Signature e depois o Credit Suisse, deste lado do Atlântico, ilustra perfeitamente a realidade que poderá resultar do rescaldo da Covid-19 e do conflito no leste Europeu, com o retorno a uma realidade inevitavelmente agravada pelo ​​aumento das taxas de juro e o fim do dinheiro fácil que desde 2008 tem alimentado todas as quimeras de futuro no Ocidente.

O caso do Silicon Valley Bank apresenta-se paradigmático em mais que uma vertente. Começando por uma regulamentação permissiva no que respeita ao montante de reservas obrigatórias e à protecção dos depósitos, passando pelo facilitismo relativamente às práticas de investimento e à manifesta desadequação entre as maturidades das exigências (depósitos à vista) e das aplicações (títulos de dívida a longo prazo) e terminando na eterna segurança oferecida pelos resgates públicos, tudo se voltou a conjugar para vermos perigosamente repetível o cenário de crise sistémica global a que assistimos em 2008.

Natural, pois, que aos primeiros sinais de problemas e perante a sangria que os rápidos levantamentos dos depositantes (a era digital trouxe o fim da corrida física aos bancos, mas tornou a corrido virtual muito mais vertiginosa e catastrófica) estava a provocar, as autoridades norte-americanas tivessem actuado, anunciando a garantia dos depósitos e natural solidez do sistema financeiro. Garantias de valor muito relativo, tanto mais que rapidamente se sucederam novos casos com outros bancos e até noutro continente.

Na realidade, muitas questões se colocam sobre os possíveis efeitos dominó deste novo episódio de fragilidade do coração do sistema norte-americano, nomeadamente as finanças e as novas tecnologias, e se as questões mais candentes são aquelas de difícil resposta (será o SVB é um novo Lehman Brothers, ou seja, apenas a ponta visível de mais um iceberg de má gestão e enorme alavancagem da dívida), outras consequências sistémicas serão mais fáceis de formular.

Entre estas destaca-se de imediato a turbulência que se está a gerar pelo desaparecimento de parte do sector de inovação norte-americano e a transferência de titularidade de outra parte. É assim que em países tão diversos como a Alemanha, o Canadá, a China, a Índia, Israel ou a Suécia, as autoridades reguladoras tentaram evitar o contágio procurando assumir o controle desse sector estratégico, como foi o caso com a compra da filial inglesa do Silicon Valley Bank, pelo valor simbólico de 1 libra.

Mas o desaparecimento do Silicon Valley Bank poderá ainda acelerar o declínio do domínio do sector tecnológico norte-americano, tendência que já se vinha a fazer sentir há algum tempo com a deslocalização para o continente asiático, lugar onde deverá continuar a crescer de forma menos frenética, mas agora agravada pelo valor simbólico deste acontecimento.

Toda esta turbulência e a tendência de migração das tecnológicas poderá traduzir-se num colapso do tecido das startups californianas, que entre falências e fugas para cenários mais calmos volta a trazer a questão do futuro de uns EUA cada vez menos glamorosos.

Por último, a falência do Silicon Valley Bank revelou à evidência quão perniciosa para as economias pode ser a alternância das políticas monetárias de estímulos e de subidas de juros seguida pelos bancos centrais – o que talvez contribua para alguma moderação nas habituais propostas de aumento de juros, num período conjunturalmente marcado pela desaceleração das exportações europeias e pela continuação da tendência de deslocalização da importante indústria automóvel em direcção aos EUA, face às vantagens do programa “Inflation Reduction Act” e à ausência de resposta equivalente da UE, onde até uma valorização do euro, benéfica à atenuação das tendências inflacionistas, estará a contribuir para um aumento das falências entre o tecido das PME europeias – e, sobretudo, as dificuldades financeiras do sector tecnológico norte-americano.

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