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Sexta-feira, Abril 26, 2024

O subfinanciamento do SNS vai continuar em 2019

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

O aumento real das transferências do Orçamento para o SNS em 2019 é apenas de 262 milhões € e não de 612 milhões € como diz o governo, e a divida do SNS aos privados deve ser superior a 1.500 milhões no fim de 2018.

Análise com base em dados da Nota Explicativa entregue aos deputados pelo ministro da Saúde, aquando do debate do Orçamento do Estado para 2019 na Assembleia da República.

A evolução das transferências do Orçamento do Estado para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) assim como a enorme divida do SNS aos fornecedores privados mostra que o subfinanciamento do SNS pelo O.E. vai continuar em 2019, o que aumentará ainda mais as dificuldades que já enfrentam os portugueses em aceder a serviços de saúde.

Para além disso, enumero outras causas que ninguém quer enfrentar (tem-semedo em enfrentar os interesses corporativos), que estão também a corroer e a destruir o SNS.

Como consequência, o negócio privado de saúde está a prosperar em Portugal à custa dos serviços públicos (SNS, ADSE e outros subsistemas) e a concentração no sector privado de saúde é cada vez maior (os grandes grupos privados de saúde – LUZ, José Mello, Lusíadas, Trofa, HPA) dominam completamente o sector, aumentando cada vez mais o controlo (recentemente no Norte o grupo Trofa adquiriu o Hospital do BONFIM, e no Algarve o grupo HPA adquiriu o controlo do Hospital de S. Gonçalo perante a passividade da Autoridade da Concorrência).

Espero que este estudo seja útil para que os portugueses conheçam melhor a situação do SNS e o que se está passar no sector da saúde com domínio crescente dos grandes grupos privados da saúde.

Estudo

As dificuldades financeiras do SNS vão aumentar ainda mais em 2019, contrariamente ao que diz o governo e, consequentemente, as dificuldades dos portugueses em ter acesso a serviços públicos de saúde, enormes em 2018, vão se agravar ainda mais em 2019. E isto porque as transferências do OE para o Serviço Nacional de Saúde serão em 2019, de acordo a informação disponibilizada pelo Ministério da Saúde aos deputados, aquando do debate do Orçamento do Estado para 2019, manifestamente insuficientes para cobriras despesas do SNS, e impedir o seu continuo e crescente endividamento aos fornecedores privados que depois se aproveitam, cobrando preços mais elevados, ao SNS e aumentando, também desta forma, as dificuldades do SNS. Tal situação é agravada pelas greves no SNS do tipo da actual dos enfermeiros dos blocos operatórios, que obrigam o SNS a pagar a hospitais privados a realização de cirurgias que se deixam de fazer no SNS.

Não deixa de ser insólito que nunca se façam greves no sector privado da saúde onde a exploração e as condições de trabalho dos profissionais é grave e onde o negócio privado da saúde e a concentração no sector está em grande expansão. É tudo isto que vamos provar utilizando os próprios dados que o governo disponibilizou aos deputados aquando do debate do OE-2019. Para isso, observe-se o gráfico seguinte que transcrevemos do documento distribuído aos deputados pelo governo.

Quadro 1

Evolução das transferências do Orçamento do Estado (OE) para o SNS, da receita e despesa total do Serviço Nacional de Saúde (SNS)
Milhões € – 2014/2019

Quem oiça o governo sobre o SNS, ficará com a ideia que, em 2019, o SNS receberá do Orçamento do Estado mais 612 milhões € do que em 2018. No entanto, isso não é verdade. O aumento verdadeiro será apenas 394 milhões €, ou seja, menos 218 milhões € do que o apregoado pelo governo. E mesmo este se retirarmos o aumento das despesas com pessoal (131,6 milhões € para progressões da carreira e contratação de profissionais) reduz-se significativamente, pois ficam apenas 262,4 milhões €. A pergunta que se coloca é esta: Como é que o governo obtém o milagre dos 612 milhões € de que fala? Para compreender a artimanha do governo, observe-se a linha azulada (a 1.ª a contar de baixo para cima) do gráfico anterior. Para obter os 612 milhões €, o governo compara o valor de transferência previsto no orçamento inicial de 2019 (9.206 milhões €), não com o valor total transferido e gasto em 2018 para o SNS (8.812 milhões €), mas sim com o valor do Orçamento inicial de 2018 que era 8.594 milhões €, um valor que se sabia que era insuficiente. É uma habilidade para enganar a opinião pública.

O SNS vais terminar 2019 com uma enorme dívida que agrava as dificuldades

O aumento efectivo das transferências do OE para o SNS em 2019, quando comparada com a transferência efectiva de 2018, é apenas de 262,4 milhões €. É o que fica para o SNS pagar dividas, aumentos de consumos e de preços. E a divida do SNS a fornecedores privados é enorme como se conclui do gráfico 2. E isto porque devido ao subfinanciamento que se verifica todos os anos (e 2019 será mais um ano) os hospitais públicos para poderem funcionar têm que se endividarem enormemente.

Gráfico 2

Evolução da divida e dos pagamentos em atraso do Serviço Nacional de Saúde (SNS) a fornecedores privados
Milhões € – 2012/2018

Os dados do gráfico 2 são do governo. Segundo eles, entre o 3.º Trim. 2015 e o 3.º Trim. 2018, portanto já com o actual governo, a divida total do SNS a fornecedores privados aumentou de 1.456 milhões € para 1.950 milhões € (+506 milhões €), e os pagamentos em atraso, ou seja, a divida com mais de 60 dias, subiu de 446 milhões € para 862 milhões € (+ 416 milhões €).

É de prever que no fim de 2018, a divida do SNS a fornecedores privados seja superior a 1500 milhões €. Comparece-se este valor com o aumento das transferências efectivas em 2019, quando comparadas com as de 2018: apenas mais 262,4 milhões €, um reforço insuficiente, para as necessidades do SNS. É evidente que se é obrigado a concluir, face a estes dados, que as condições de funcionamento do SNS, de trabalho e de vida dos profissionais de saúde vão se agravar imenso em 2019, criando à população cada mais dificuldade ao acesso aos serviços de saúde. Enquanto isto sucede com o SNS o negócio dos grandes grupos privado de saúde (LUZ, José Mello Saúde, Trofa, Lusíadas, HPA) prospera à custa também do publico (SNS, ADSE, etc.).

E isto porque a juntar às dificuldades financeiras crescentes do SNS devido ao subfinanciamento crónico há ainda a acrescentar a promiscuidade público-privada a que ele está sujeito e o corrói por dento como autêntico “cavalo de tróia”.

A promiscuidade público-privada não se limita, como muitos pretendem fazer crer, à entrega da gestão de unidades públicas de saúde a grupos privados de saúde (as chamadas PPP), como acontece com os Hospitais de Loures, Cascais, Vila Franca de Xira e Braga.

A promiscuidade público-privada inclui também a dos profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, etc.) que trabalham simultaneamente no SNS e nos hospitais dos grandes grupos privados de saúde (LUZ, José Mello Saúde, Lusíadas, Trofa, HPA) que dominam já completamente o sector privado da saúde, eliminando os pequenos e médios prestadores sem futuro, mas ninguém tem a coragem de enfrentar este grave problema que destrói o SNS, com medo.

A prova recente disso está no facto das propostas de nova Lei de bases de saúde, apresentadas pelos diferentes partidos políticos e pelo governo, continuarem a ignorar esta questão vital para garantir a sustentabilidade do SNS e a prestação de cuidados de saúde de qualidade a todos os portugueses. Parafraseando o ditado popular ninguém pode servir bem dois “deuses: o SNS, que tem como objectivo obter ganhos de saúde para os portugueses, e o negócio privado da saúde cujo objectivo principal é obter lucros para os accionistas privados.

Os profissionais de saúde devem ter a liberdade de escolha entre o publico e o privado, entre o SNS e os grandes grupos privados de saúde, mas não devem ter a liberdade para estar simultaneamente nos dois pois os malefícios são bem conhecidos e, a continuar, o SNS será destruído (corroído) por dentro, por mais dinheiro que se “despeje” nele, já que a boa gestão e a utilização eficiente dos recursos que tem como origem os impostos pagos pelos portugueses estará sempre comprometida e os riscos de perda de profissionais a que o SNS fica sujeito são enormes assim como a utilização do SNS pelos grandes grupos privados da saúde. Em contrapartida da exclusividade a exigir no SNS, deve-se oferecer aos profissionais de saúde uma carreira digna e salários dignos que actualmente não têm.

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