Meu querido cigarro
O meu mundo celebra hoje mais um ano sem ti. Eu que há três anos fui obrigado a abandonar-te, a atirar-te pela sarjeta, capitulando perante a doença que te culparam, pertenço à tribo dos que têm saudades tuas, apesar de tudo, apesar dos tudos.
É que foste o meu companheiro em horas de aflição, quando precisava de uma companhia, quando sentia a necessidade de alongar, relaxando, o prazer do acto sexual, aquele remate final, aquele golo de glória, lembras-te? E também quando isto e quando aquilo, tantos e tão diversos foram os momentos que partilhámos coisas só nossas.
Éramos uma espécie de dança narcótica, não éramos? Os médicos chamam-lhe outra coisa, com outro aspecto, qualquer coisa parecida com desprezível.
Eles têm razão.
O corpo não te aguenta. E adoece. Percebes? Gosta de ti, mas não te aguenta. Tens em ti umas porras que o lixam todo, és, enfim, um amor impossível. E como o lamento.
Dói-me celebrar datas comemorativas sem ti, pois, bem me ajudaste a criar algumas, quando não tinha mais ninguém ao meu lado.
Fomos cúmplices de tanta coisa, pá, de tanto pensamento, pá, de tanta amargura e de tanta alegria…
Mas quem te criou incutiu-te coisas beras, que realmente temos de evitar, como a Assunção Cristas ou a Maria Luís Albuquerque, também elas ervas daninhas, pá.
Digo isto, apesar de agora, para mim, sem ti, o mundo ser só mineral, seco, insípido, uma merda.