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Quarta-feira, Abril 24, 2024

Orçamento de Estado – António Costa retoma a iniciativa política

Estátua de Sal
Estátua de Sal
Economista reformado. Trabalhou como Professor universitário na empresa FEUC - Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra de 1983 a 2014

Estive a seguir o debate sobre o Orçamento de Estado para 2018. O resumo do debate pode ser resumido desta forma: António Costa retomou a iniciativa política, perante os confrangedores argumentos da direita na crítica ao projecto de orçamento, e perante as suaves exigências dos partidos à esquerda do PS em relação às medidas constantes no documento. Comecemos pelos argumentos de PSD e CDS.

A direita diz que vai votar contra o orçamento, “porque sim”, ou seja sem qualquer razoabilidade lógica. No essencial, deveria dizer que vota contra porque não é ela a governar. Ou seja, enumera um conjunto de críticas que se contradizem a si próprias sem qualquer coerência interna.

A direita diz que o orçamento se destina a favorecer a função pública, mas apoia a função pública quando ela exige aumentos de remunerações que são legítimos mas, muitas vezes, inquestionavelmente incomportáveis.

A direita diz que o orçamento corta no investimento público – ficando à espera que os privados invistam -, e depois diz que a economia só pode crescer com  base nas exportações e na iniciativa privada.

A direita diz que é a favor do cumprimento das obrigações com a Europa – relativamente à dívida e ao déficit -, mas quando o governo  apresenta um orçamento prevendo o déficit mais baixo do Portugal democrático, a direita insurge-se e vota contra. Não há dúvida que, à direita, mais que não haver seriedade ética, é não haver sequer capacidade de raciocínio para pensar em termos lógicos. Parecem débeis mentais que conseguem dizer que, ao mesmo tempo, o branco é preto e o preto é branco.

Mas o mais grave, revelando a forma elitista e distante do seu pensar, foi nunca o PSD e o CDS, nas suas críticas terem falado numa coisa muito simples: a vida das pessoas. A vida de milhões de portugueses, os do salário mínimo, os pensionistas, os desempregados, os das bolsas de estudo, os dos passes sociais, os do abono de família, os do complemento social para idosos, desses nunca falam, o benefício desses não interessa à direita. E quando um orçamento os beneficia, a direita vota contra. Para a direita, esses são “os interesses corporativos” da Geringonça – para usar a terminologia a que o deputado Telmo Correia do CDS recorreu.

É bom que os portugueses mais carentes saibam isso, e penso que muitos – iludidos durante décadas -, estão já a perceber quem eles são e que interesses defendem. Os interesses não dos que trabalham mas dos que vivem de rendas da propriedade e do capital que não se resignam por terem que abrir mão de uma parte delas em favor de quem vive do seu trabalho.

Mas o mais ridículo é a direita vir acusar o governo de o orçamento ser um orçamento de austeridade, austeridade com a conivência dos partidos de esquerda que a direita verbera por não se insurgirem contra isso! Eles, os campeões da austeridade, agora tomam as dores dos sofredores da austeridade. E lá veio a ladainha dos cortes na saúde, nos serviços públicos, e por aí fora, pela voz da deputada do CDS Cecília Meireles. António Costa cilindrou-a, perguntando-lhe:

— Sabe a senhora deputada qual é a prova de que este orçamento não é um orçamento de austeridade? É o simples facto de a senhora ser contra ele!!

Perante tão contraditórios e bizarros argumentos, António Costa não teve dificuldades em sobrevoar sobre os desvairados discursos de Leitão Amaro, da Cristas, e do truculento deputado Abreu Amorim. Para a Dona Cristas – tão amante de gráficos -, Costa brindou-a, ele mesmo, com um gráfico recente a dar conta dos bons números da economia. Parece que a Dona Cristas agora já se deixou de gráficos e prefere, como se tem visto nas últimas semanas, abanar a asa com fotografias de fogos e de destruição.

E à esquerda, como se saiu António Costa? Saiu-se bem, até porque as exigências essenciais da esquerda estão satisfeitas ficando os detalhes a afinar para a discussão na especialidade. As duas questões mais problemáticas que lhe foram colocadas vieram do Bloco de Esquerda. O PCP, contrariamente ao que a comunicação social tem propalado – que estaria com grandes incómodos internos pelo seu apoio ao governo -, de tal não deu mostras.

O BE – e o PCP também -, colocaram a questão da dívida e da sua renegociação, questão a que o PS tinha dado há meses atrás alguma abertura, prometendo fazer a sua reanálise após as eleições alemãs que já ocorreram. Costa foi dizendo que as eleições alemãs já passaram mas que ainda não há governo na Alemanha, ainda que não se anteveja que, a haver governo, este venha ser mais favorável do que anterior ao debate de tal assunto. Sobre a garantia de não vir a ocorrer um nível de cativações tão elevado como ocorreu no orçamento anterior, Costa assegurou ir fazer-se um esforço nesse capítulo, e sobretudo prometeu maior transparência.

Assim, António Costa e o governo retomaram a iniciativa política. A economia está bem, o desemprego baixa, os rendimentos aumentam, os impostos baixam, o investimento aumenta, os números do crescimento surpreendem as instituições europeias, e a confiança dos agentes económicos está no seu auge. E sobre estes dados, bem pode Marcelo e a direita virem propalar desgraças e críticas à governação, que os portugueses estão melhor e reconhecem isso.

Porque, na verdade, este orçamento e o governo da Geringonça, agrada mesmo a muito boa gente. Agrada à maioria do país – assim o mostram as sondagens. Agrada a Bruxelas, assim o mostram as declarações dos responsáveis europeus. Agrada aos mercados financeiros – como se vê pela queda nas taxas de juro. Agrada às agências de rating que tem vindo a melhorar a notação do país. Agrada aos credores que tem vindo a receber o que emprestaram – até antecipadamente como é o caso do FMI.

Só não agrada aos interesses da direita nacional que se vê mais um ano afastada da condução do Estado, à custa do qual se alimentou durante décadas, mesmo com o PS no poder, devido ao conluio deste com o bloco central de interesses que – até certo ponto -, a Geringonça veio a pôr em causa.

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