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João de Sousa

Segunda-feira, Março 18, 2024

Orgulho 2022 nos EUA é uma celebração enraizada e engajada

Esse ano marca o aniversário 53 do movimento moderno LGBTQ+ Orgulho dos EUA. Vitórias do movimento fizeram possível para muitos de nós celebrar nossa identidade queer e gozar dos direitos que nos foram historicamente negados.

Mas o que significa celebrar o Orgulho em uma época em que muitas dessas vitórias parecem ser ameaçadas? Encontros físicos se tornaram comuns de novo e o sentimento de compensar o tempo perdido é palpável.

Em que modo nós podemos honrar os que perderam suas vidas e continuam – para o vírus, doença e para todas aquelas questões que ameaçam a vida e não foram embora quando a pandemia se alastrou? Como nós podemos apoiar aqueles que foram deixados para trás por um governo que repetidas vezes priorizou o capital sobre o bem-estar de seu povo?

Agora que as vacinas se tornaram disponíveis – quão universalmente é debatível – cada um de nós chegou a um acordo com os níveis de risco versus recompensa com que nós nos sentimos confortáveis à medida que nos envolvemos em atividades sociais.

Enquanto eu cautelosamente reestabeleço as conexões físicas que facilitaram minha própria expressão de alegria queer, eu percebo que o mundo mudou em muitas e grandes maneiras. Eu não consigo me livrar de um novo sentimento de profundo luto e pavor. Isso borbulha quando eu estou ouvindo discos com amigos, dançando sobre um chão pegajoso, ou puxando alguém próximo para um beijo. E como eu posso me livrar desse sentimento quando tanta vida foi perdida, roubada, e quando as pessoas queer, especialmente pessoas trans, são cada vez mais desrespeitadas, feridas e assassinadas? Mulheres trans negras lutam mais para permanecer alojadas e são frequentemente o alvo de horrível violência. Pessoas queer são chamadas de predadores.

A ultra direita, uma vez escondida em cantos escuros, entrou na grande mídia, envenenando nossos amigos, familiares, colegas de trabalho e vizinhos. Eu percebo que não posso deixar esse pavor roubar mais do meu tempo que poderia ser gasto desfrutando momentos bonitos com minha comunidade. Eu não posso deixar a feiura desse mundo continuar a reivindicar tantas vidas dos meus irmãos trans e queer.

A ascensão do fascismo nesse País e o fracasso total do nosso governo para realmente nos proteger em um tempo de crise coloca uma ameaça existencial não apenas para as pessoas queer, mas para todos os negros, indígenas e pessoas de cor. A única maneira de proteger nossas comunidades é combater o fascismo e suas causas de frente.

Minha alegria queer não se sente genuína se eu não estou contribuindo para a libertação de todos os meus camaradas, porque nossa libertação coletiva é inseparável de ser queer. Isso é o alicerce do Orgulho.

É impossível ignorar as raízes anti-establishment do Orgulho LGBTQ+. As marchas modernas do Orgulho – depois paradas – evoluíram diretamente de manifestações anti-polícia e anti-establishment. Essa história ressurgiu na grande mídia nos anos recentes, graças as consequências da revolta nacional de 2020 contra a violência policial racista e a defesa consistente de pessoas queer negras, indígenas e de cor.

As primeiras manifestações do Orgulho grandes e populares podem ser rastreadas desde a Revolta de Stonewall, que irrompeu em resposta a brutalidade policial no verão de 1969. O moderno movimento de Libertação Gay dos EUA veio diretamente dessa mostra de força coletiva em Nova York e outras grandes cidades, depois de décadas de assédio e violência pela polícia. Quaisquer vitórias obtidas com o Movimento de Direitos dos Gays são devido a coletiva e consistente organização de ativistas, a maioria deles notavelmente mulheres negras trans.

Colleen Walsh resume, em seu artigo de 2019 para a Harvard Gazette, as políticas macartistas dos anos 1950 que visavam, ameaçavam e aterrorizavam não apenas comunistas, mas qualquer um que desviasse da cultura branca, patriarcal e puritana americana, incluindo qualquer um envolvido com “comportamento sexual desviante.”

Walsh se refere a Guerra do Vietnã, o movimento de igualdade das mulheres e o Partido dos Panteras Negras como elementos culturais dos anos de 1960 que contribuíram para as condições que levaram a Revolta de Stonewall. Contudo, a revolta eventualmente se transformou em um movimento liderado principalmente por brancos e gays cis por casamento e igualdade legal. Enquanto essas vitórias são cruciais para a libertação, as forças opressoras sistêmicas dos anos de 1960 não evaporaram. Enquanto o macartismo não é mais um foco flagrante de audiências no Congresso e da sociedade americana, muitos de seus sentimentos ressurgiram como “guerras culturais” anti-trans e anti-esquerdistas.

Vitórias significativos em direitos trans, gays e das mulheres conseguidos nos anos recentes encorajaram a ultradireita. A ascensão moderna do fascismo ameaça as vitórias legais e culturais do movimento de libertação queer, assim como nossas vidas.

Uma parte crucial de celebrar o Orgulho é continuar a desbastar os sistemas opressivos que os ativistas vêm lutando contra. Pessoas queer negras, indígenas e de cor encaram frequentemente as manifestações mais feias e intensas da sistêmica opressão das pessoas pobres desse País.

Marsha P. Johnson e Sylvia Rivera formaram o Revolucionários de Ação Travesti de Rua (STAR, na sigla em inglês), em 1971, que forneceu habitação e outros recursos básicos para pessoas trans negadas desproporcionalmente as vitórias dos movimentos de direitos civis e gays. As pessoas trans, especialmente mulheres trans de cor, sempre estiveram na vanguarda do Orgulho. Eles pediram pelo mínimo desse País, serem tratados com respeito e ter as necessidades básicas atendidas, e ao invés foram atendidos com a falta de recursos e apoio, e com violência.

A base do Orgulho está na proteção e solidariedade com os irmãos trans e queer de cor, e o desmantelamento dos sistemas opressivos que criaram as condições perfeitas para a ascensão do fascismo.

Esse País viu um movimento concertado pela direita para reduzir a autonomia corporal das pessoas trans. Opiniões marginais em espaços fascistas se espalharam tão longe que a participação da juventude trans nos esportes se tornou um debate nacional. Fornecer aos menores cuidados de afirmação de gênero se tornou um crime em vários estados.

Leis anti-transgênero existem atualmente no Arizona, Utah, Idaho, Oklahoma, Kansas, Missouri, Iowa, Wisconsin, Louisiana, Mississipi, Alabama, Tennessee, Kentucky, Indiana, Ohio, Georgia, Flórida, Carolinas do Sul e Norte e New Hampshire. Pânico fabricado de banheiros virou chamar pessoas queer de predadores sem rodeios, e punir por lei qualquer menção de assuntos LGBTQ+ nas escolas. A iminente revogação do Roe v. Wade e todas as novas leis antiaborto através do País demonstram esse esforço altamente organizado pelos conservadores e a ultradireita para negar às mulheres e pessoas queer sua autonomia corporal.

Então o que tem sido e pode ser feito para neutralizar essa onda de legislação conservadora e uma concorrente ascensão do fascismo? Uma mudança coletiva generalizada para a construção do movimento é essencial nesse ponto na história. Esforços conservadores para sistematizar o fanatismo anti-mulheres, anti-queer e racista devem ser eliminados na fonte. Sistemas imperialistas opressivos enraizados na supremacia branca e patriarcado levaram a ascensão do fascismo nesse País por projeto. É crucial compreender que há uma intercessão essencial em limites a direitos reprodutivos, legislação anti-trans e violência, exploração dos trabalhadores, violência racialmente motivada e uma falta urgente de habitação para trabalhadores.

Nós não podemos trabalhar na direção da libertação em silos. Habitação, cuidados de saúde, proteções dos trabalhadores e autonomia corporal são questões queer. Nossas ações coletivas para combater a violência patrocinada pelo Estado e o alinhamento cada vez maior do nosso governo com o capital sobre as pessoas são essenciais.

Enquanto nós celebramos o Orgulho esse ano, vamos aprender, lembrar e honrar as raízes do Orgulho. Vamos continuar nossa luta por libertação apoiando nossos camaradas de todos os matizes em nossas ações coletivas para construir poder, seja em escala comunal localizada ou em campanhas e movimentos em todo o estado e nacionais. Vamos encontrar conforto e energia nos envolvendo com as lutas de nossas comunidades.

Muito trabalho há de ser feito nos níveis local e estadual. Organização pelos direitos dos inquilinos, esforços de realocação do orçamento local, organização sindical, greves e boicotes trabalhistas, campanhas políticas socialistas, campanhas pelos direitos reprodutivos, iniciativas de segurança da comunidade, produção de alimentos localizada são apenas um pouco dos muitos esforços radicais de construção da comunidade que crescem mais fortes a cada dia.

E nesse ano de eleições, cabe a todos nós nos envolvermos completamente com o processo, como eleitores, voluntários e contribuidores. Eu te convido a celebrar sua alegria queer continuando a praticar o amor e empatia através da libertação.


por Ruvalcaba, Escritor e ativista baseado na região de San Diego-Tijuana. Áreas de foco incluem habitação a preços acessíveis, justiça de transporte, planejamento urbano, educação política e construir o poder da comunidade. (People’s World) | Texto em português do Brasil, com tradução de Luciana Cristina Ruy

Exclusivo Editorial Rádio Peão Brasil / Tornado

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