Diário
Director

Independente
João de Sousa

Quinta-feira, Abril 18, 2024

Somos todos racistas na TV

Alexandre Honrado
Alexandre Honrado
Historiador, Professor Universitário e investigador da área de Ciência das Religiões

DO AVESSO

Leio algures uma frase de Hölderlin (Johann Christian Friedrich Hölderlin, poeta lírico e romancista alemão, considerado um dos maiores poetas líricos da poesia alemã e universal); já poucos o leem, o conhecem.

Faço-o numa passagem de um dos seus textos brilhantes, Hyperion: “O Homem, um deus, quando sonha, e apenas um mendigo quando pensa”.

Eis-me portanto, mendigo, a pensar em voz alta…

Hölderlin, o mais alemão dos alemães, enlouqueceu. Durante 36 anos viveu fechado numa torre. Foi Ernst Zimmers, um carpinteiro que vivia em Tübingen – seu amigo e de sua mulher – , que o teve à sua guarda durante muito tempo.

Ainda hoje se suspeita do diagnóstico de insanidade mental feito ao poeta, que, sob o nome de “Scardanelli”, escreveu ainda poemas irrepreensíveis.

Pego delicadamente na frase do poeta, assim como se deve fazer com as aves e os poemas: O Homem, um deus quando sonha! Obviamente, não encontro deuses para lá da frase. Aquilo a que hoje chamamos sonho é apenas um intervalo entre lençóis, uma ponte de passagem para o nada irreal do dia que nos espera. Apenas um mendigo. Quando penso.

Portugal é um País racista?

Há dias na televisão vi um falso debate – combate? – sobre racismo. A pergunta que dava origem ao debate era mal formulada – “Portugal é um País racista?” – mas desde que um programa de televisão elegeu Salazar, entre muitos outros elegíveis, como o grande português e um jornal de invenções atreve-se a dizer que é o campeão de audiências leitoras cá do nosso canto, já tudo se permite.

Obviamente que Portugal não é um País racista, como não é um País de futebolistas ou de treinadores, apesar do Ronaldo e do Mourinho, nem de toureiros, basta ir para o Norte, nem de fadistas, basta escutar rap, nem de castanhas, basta ir para o Sul, nem de cores únicas, basta espreitar as peles, nem de identidades – basta olhar para as culturas que nos ocupam, até porque todas as práticas culturais são distinção e nunca homogeneidade, felizmente.

Se racismo é atitude expressa, então sim, temo-lo. Mas até aí as percentagens variam. Temos mais preconceitos, muitos de nós, não se percebe bem porquê, ficaram-se pelo império e alguns dos que se ficaram pelo império ainda têm, não se percebe bem porquê, o complexo de inferioridade que os faz acreditar no mito da superioridade civilizacional.

Temos sangues, e não sangue, nas veias. Judeu, muçulmano, africano, e de todos os estrangeiros com que as nossas avós e os nossos avós se deitaram – e amaram e amaram e amaram. Se cada um de nós fizesse um teste de ADN, agora na moda aliás, testado o ADN autossómico, saberia com precisão a sua genealogia genética e que tem ancestrais de cores inesperadas – insuportáveis?

Lembro-me da anedota inglesa sobre Charles Darwin. Ao dizerem a certa senhora que provavelmente descendemos dos primatas, e que o naturalista britânico trabalhava essa ideia, apurandoa, ela suspirou, quase às lágrimas, “se provarem isso oxalá nunca venham a dizê-lo em público”!

Termo racialização

Recordo: o termo racialização surgiu na década de sessenta do século XX para exprimir o processo social, político e religioso a partir do qual certas camadas da população de etnia diferente eram identificadas em relação à maioria da população, tendo em conta que esta identificação estava diretamente associada ao seu aspeto, características fenotípicas ou à sua cultura étnica.

Enfim. Sabem a quem serve as distinções? Aos Nazis. Aos fascistas. Aos nacionalistas da nova estirpe, ultraliberais descoloridos, alguns filhos de colonizadores, mas muitos filhos de emigrantes, que procuram com fervor a raça pura, provavelmente para acasalar e definir o pedigree, coisa canina de gente incompleta.

Dizem-me que o pai de Donald Trump era do Ku Klux Klan. A verdade é que o ex-líder do movimento supremacista e racista Ku Klux Klan (KKK), David Duke, saudou a tomada de posse de Donald Trump declarando publica e histericamente: Conseguimos!!! Conseguimos!!! Conseguimos!!! (Conseguiram: mais um fiasco no currículo).

Vivemos num mundo muito estúpido, perigoso, até os conteúdos das matérias da escola estão agora em aplicações de telemóvel. Mais dia menos dia deixaremos de pensar. Os Donald Trump reproduzir-se-ão como lombrigas no intestino do mundo. A extrema direita já se mostra. Usa capuzes, mesmo assim, mas anda a tirá-los.

Todas as nódoas são negras…

Quando nos batem com força na pele, todas as nódoas são negras…

“O Homem, um deus, quando sonha”.

Andamos acordados, como zombies.

Eu mendigo.

Por opção do autor, este artigo respeita o AO90

Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a nossa Newsletter. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

- Publicidade -

Outros artigos

- Publicidade -

Últimas notícias

Mais lidos

- Publicidade -