Não foi surpresa para ninguém, quando a Academia de Cinema de Hollywood levou Roma para 10 indicações ao seu prêmio anual. Não é de hoje que o México se tornou a vanguarda do cinema na América do Norte e sem dúvida o novo filme de Alfonso Cuarón Orozco, lançado pela plataforma de streaming Netflix, fez por merecer.
De início, Cuarón surpreende ao escrever, dirigir, produzir e fotografar “Roma”, que é sua película mais intimista e autobiográfica. Interessante é que Cuarón achou na Netflix, megacorporação estadunidense, o braço financiador e distribuidor dessa epopeia cinematográfica, que flerta com o cinema autoral europeu e a nouvelle vague francesa, principalmente na ótica de uma grande ideia e uma câmera na mão.
O filme, apesar de ter vindo ao mundo para o formato da telinha, voltado para o público que tem “trinta conto” para a mensalidade do clube Netflix, vem encontrando grande recepção pela crítica mundial, afinal, ele saiu vencedor do clássico Festival de Veneza e de três Golden Globes, além, é claro, de 10 indicações ao Oscar 2019, incluindo melhor filme, direção, fotografia e roteiro.
Seria no mínimo irônico que um filme autoral mexicano, fotografado em preto e branco, financiado por um app de streaming e sem arrecadação em bilheterias, levasse o grande prêmio dos enlatados de Hollywood.
Conforme a própria descrição da Netflix, o “vencedor do Oscar, Alfonso Cuarón faz um retrato comovente da vida familiar no México durante os turbulentos anos de 1970”, é e realmente disso que a produção trata. Não esperem uma vista fácil, o filme é um verdadeiro chute no estomago dos desavisados, afinal, temos nele violência obstétrica, machismo, nudez frontal, mortes e muitos dramas intimistas, quase sempre na ótica feminina.
O elenco é um capítulo a parte, onde Cuaron traz as novatas, mas com atuação de veteranas, Yalitza Aparício e Marina de Tavira, ambas indicadas ao Oscar, que de tão verossímeis suas atuações o espectador esquece que são atrizes e passa a vivenciar e sentir os dramas reais e sociais das personagens.
A fotografia é o ponto alto do filme, uma vez que Cuarón se arriscou em acumular também a função de diretor de fotografia, mas aí está a principal beleza da película. O diretor opta sabiamente pela monocromia, assim é apresentado toda a produção em preto e branco, certamente não seria a opção mais popular, mas é totalmente revolucionário e démodé, quase um choque para a geração do Facebook e Instagran.
O filme usa elementos clássicos da fotografia monocromática, onde sua escolha é por uma estética quase documental. Quando são retratadas pessoas, por exemplo, temos a ideia étnica social do fotografo brasileiro Sebastião Salgado, já quando são mostrados objetos e paisagens fica nítido o corte erudito do fotojornalista francês Henri Cartier-Bresson.
Mas é na profundidade de seus personagens que o filme se destaca da matilha. O drama de duas trabalhadoras domesticas, que devem conviver com a irrelevância de suas vidas e ainda suportar os caprichos da burguesia, somados ao abandono social e afetivo, vem mostrar como a atual sociedade patriarcal é nefasta para a vida privada das mulheres.
Durante todo o filme o sofrimento feminino é intenso, as personagens oprimidas, com seus olhares tensos, sempre em busca da felicidade, salvação e redenção. Interessante que Roma remete à excelente produção brasileira “Que horas ela volta”, mas elevado a nona potência, no final (calma não é spoiler) a pergunta que fica é: se nem Deus é por elas quem será?
Roma, apesar de ter passado em branco nas redes sociais, uma vez que foi lançado juntamente com o pedante blockbuster de Sandra Bullock, Bird Box, é a grande surpresa do ano, certamente a melhor produção cinematográfica de 2018, uma verdadeira reflexão sobre nosso tempo e nossa sociedade, uma grande homenagem ao preto e branco e a América Latina.
por Edyr Cesar | Texto em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado