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João de Sousa

Quinta-feira, Abril 25, 2024

Verbos & Verbetes

J. A. S. Lopito Feijóo K, Angola
J. A. S. Lopito Feijóo K, Angola
Poeta e crítico literário, ensinou Literatura Angolana. Membro fundador da Brigada Jovem de Literatura de Luanda (BJLL/1980), e do Colectivo de Trabalhos Literários OHANDANJI (1984). É membro da União dos Escritores Angolanos.

​De tantas falas & alguma escrita

Numa curta, mas muito bem sucedida, estadia na Covilhã – onde reencontrámos o Prof. José Carlos Venâncio, que há mais de duas décadas ali se estabeleceu leccionando e divulgando literaturas africanas na Universidade da Beira-Interior –, tivemos o grato prazer de, uma vez mais, conviver com o mestre Luandino. Falámos de tudo mais alguma coisa dentre tantas coisas do hoje da vida política, cultural (principalmente literária, claro!), da nossa terra, nossa amada sempre presente.

Inevitavalmente, falámos da nossa História e dos movimentos literários geracionais desde os idos da década de quarenta do passado século. Falámos dos movimentos editoriais em Angola e das actuais editoras do burgo. Falámos dos autores nacionais e estrangeiros, tal como Tomás Vieira da Cruz e seu filho Tomás Jorge, cuja obra poética foi recentemente recolhida e exemplarmente publicada pela “Kilombelombe Editora’’ do Lapin.

Falámos de Geraldo Bessa Victor e de alguns dos seus pecados. Do folclore angolano: Do Óscar Ribas, da Casa Museu e do ‘’Missosso’’. De Manuel dos Santos Lima de ‘’O Buraco’’. De A. Neto, Viriato, Mário Pinto, de Jacinto – poeta do ‘’Kiaposse’’, e do Mário António dos ”100 Poemas’’. Poeta de refinada pena e apurada sensibilidade. O próprio ensaísta do ‘’Reler África’’. Falámos do carácter e da personalidade literária de cada um deles, bem como do papel por eles desempenhado no movimento de libertação nacional. Falámos de Rui Nogar, Craveirinha, Noémia de Sousa, da tia Alda do Espírito Santo e de Amílcar e Vasco Cabral, todos já falecidos.

Falámos, como não podia deixar de ser, da nossa geração de 80 e do nosso contributo para a consolidação e o desenvolvimento do corpus e da ossatura da moderna literatura angolana. Falámos do Ruy Duarte, do David Mestre, do Arlindo Barbeitos e naturalmente da influência destes nas subsequentes propostas de texto estético e literariedade conteudística. Falámos do suplemento «Vida & Cultura», do Jornal de Angola e do ‘’general’’ do jornalismo cultural dos anos 80 em Angola, referindo-nos ao Américo Gonçalves ou Ocirema, como também subscrevia.

Falámos do Luís Kandjimbo enquanto dedicado ensaísta africano, das suas polémicas e contradições espirituais. Falámos da Paula Tavares, que chegou mesmo a ser apelidada e taxada (por algumas femininas mentalidades puritanas de então…), de poeta pornográfica em razão do seu profundo e intenso erotismo poético. Do Zé Luís Mendonça, que desprecisou de ser brigadista da literatura para se afirmar no nosso contexto geracional como um dos maiores senão mesmo o maior, com a sua ‘’Chuva Novembrina’’, seguida da ‘’Gíria de Cacimbo’’ e de tantos outros títulos cuja diversidade temática e irónica podemos certificar com a sua mais recente recolha poética editada em Portugal pela NÓSSOMOS, uma editora de poesia com propósitos essencialmente de divulgação cultural além-fronteiras.

Refiro-me, em suposta primeira mão, ao “Africalema’’. Livro com 102 poemas escolhidos “na quinda utilitária” de 9 dos cerca de 20 publicados pelo autor, sob os desígnios da «existência popular generalizada», em função da incompleta glória de ser HOMEM e cidadão do mundo, que se alimenta só e somente do fruto das palavras sempre rentes à metáfora dos corpos desnudos.

No meio de tantas falas faladas, no carro, no departamento de sociologia da Universidade da Beira-Interior, na biblioteca da Câmara Municipal da Covilhã, e até mesmo nos restaurantes corredores e elevadores do hotel cujo nome não é aqui chamado, algo que nos chamou devidamente a atenção e tocou profundamente o coração foi o facto de que o público leitor e amante da literatura em Portugal já entendeu que Angola, e os demais países africanos colonizados por Portugal, não têm só uma metade de meia dúzia de escritores que lhes são insistentemente apresentados em razão do circuito do comércio editorial.

Ficou clara – a preto-e-branco e a cores! –, a necessidade e avidez de conhecerem também os outros. Os não euro-descendentes, como diria o Ricardo Riso. Os outros ainda não editados em Portugal. Os outros que só editam localmente. Os outros, os outros, os outros…. pois, os leitores estafados estão… muito cansados mesmo com os mesmos, os mesmos, e com os mesmos.

…E falámos que isso acontece também por culpa da debilidade das políticas culturais no mundo da culturalmente ‘’inexistente’’ comunidade dos países dos cidadãos falantes da língua que «supostamente» Camões imortalizou. Por isso e por exemplo, os livros editados entre nós não circulam em lado nenhum nem mesmo no interior dos países africanos. Assim sendo, julgamos estar mais que na hora, já com tamanho atraso de quem de direito, de pensar e repensar sobre esta suave polémica em questão. Os bens culturais devem circular, mas não de qualquer maneira.

Na Covilhã e em boa companhia, passamos momentos regrados e muito bem regados. Falámos, falámos, falámos mas, em abono da verdade e para vosso governo, interessa-me dizer-vos, finalmente, que nós ouvimos mais do que falámos porque assim reza a regra primeira segundo Ruy Duarte de Carvalho no seu legado: HUMILDADE!

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