Portugal recusa seguir a Europa
A grande maioria dos Estados da União Europeia uniu-se numa declaração apresentada nas Nações Unidas no dia 6 de Outubro condenando as graves violações de direitos humanos na China, mas Portugal recusou-se a aderir a essa declaração em mais uma manifestação da subserviência da diplomacia portuguesa aos ditames de Pequim.
O grupo de dissidentes europeus é encimado pela Hungria e constituído por pequenos países periféricos dependentes dos dinheiros dos dirigentes chineses, a Grécia, Chipre e Malta no Mediterrâneo, a República Checa no centro europeu e a Roménia, único país de maior dimensão do grupo.
Se é natural, coerente e previsível que um país como a Hungria, que abertamente rejeita o liberalismo e a doutrina internacional humanitária, recuse também aqui seguir a linha europeia, é muito mais difícil de entender que um país como Portugal, que não perde uma ocasião para proclamar a sua vontade de estar no primeiro pelotão da construção europeia, e que jura a pés juntos ser pelos direitos humanos, recuse condenar a política de brutal repressão dos mais elementares direitos humanos praticada pela China.
Portugal isola-se assim no mais importante dos alinhamentos geopolíticos dos nossos tempos de todos os seus parceiros da Europa ocidental neste canto da Europa; rompe com a França, Espanha e Itália, rompe com o Reino Unido, os países escandinavos, o Benelux e a Alemanha, alinhamento que se poderá revelar tão ou mais dramático do que o orgulhosamente sós do Dr. Salazar.
Mais sintomático ainda que a opção diplomática foi o sepulcral silêncio feito pela comunicação social portuguesa a propósito do que é talvez uma das mais significativas posições diplomáticas portuguesas dos últimos anos, confirmando o pouco que há a esperar no nosso país de um ‘quarto poder’ capaz de limitar os abusos e as derivas dos restantes. A dependência da comunicação social portuguesa dos dinheiros chineses é talvez a mais óbvia e aberta no nosso país e ajuda a compreender isto e bastante mais do que isto.
Que a oligarquia portuguesa prefira romper com a Europa a criticar a China é fácil de entender, se tivermos em conta aquilo que está em jogo. Romper com a Europa – como a Hungria tem abundantemente demonstrado – não traz qualquer prejuízo financeiro. Prejudicaria naturalmente as pretensões dos nossos dirigentes se estes tivessem cargos europeus na mira, mas como temos todos visto, isso é chão que já deu uvas, e a nossa oligarquia prefere as administrações das companhias controladas pela China que oferecem honorários mais sedutores.
Em Portugal os princípios nada valem se tiverem de enfrentar o dinheiro. Quando Portugal teve um Primeiro-ministro que não cedeu a todas as pressões e ameaças para romper o embargo de armas ao Irão decretado pelos EUA, em 1980, porque achava que os princípios eram mais importantes do que os negócios, como sabemos, a sua vida acabou em tragédia, e as armas seguiram o seu destino dias depois da sua morte.
E é a impunidade desse crime que nos levou onde estamos: a noção de que tudo se compra e se vende, que os valores são meros verbo-de-encher e que a política se resume a puro teatro. A teia de interesses, luvas e negócios da nossa oligarquia está hoje totalmente alinhada com a República Popular da China (como esteve antes com os negócios iranianos de armas), que foi a que se mostrou mais capaz de satisfazer as suas tangíveis ambições.
A completa distorção da realidade produzida pela informação disponível em Portugal, ajuda a entender o que seria a mais hilariante dos factos políticos nacionais, se não fosse realmente talvez o mais trágico, a promoção da heroína da luta contra a corrupção e pelo respeito dos direitos humanos de quem mais se tem distinguido no encobrimento da corrupção e violação dos direitos humanos, sempre que os interesses vitais da oligarquia estão em questão.
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