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Domingo, Outubro 6, 2024

Violência doméstica: preocupante decisão do Tribunal de Paredes

É com profunda preocupação que a Amnistia Internacional Portugal vê a decisão do Tribunal de Paredes de absolver do crime de violência doméstica um homem, depois de considerar facto provado que este introduziu a sua companheira no interior de uma viatura, com recurso à violência e contra a sua vontade, em outubro de 2020. Para isso, e como ficou provado em tribunal e se pode ler na sentença, o homem agarrou a mulher e levantou-a do chão, “arrastando-a até ao interior da viatura, pelo pescoço”.

A Amnistia Internacional Portugal vê com profunda preocupação esta decisão de absolvição dado o grau de violência da conduta e a total desconsideração pela dignidade da companheira que o homem demonstrou.

O tribunal considerou também provado que, ao ser interpelado por uma patrulha da GNR que passava no local e lhe ordenou que largasse a mulher, o homem não acatou, continuando e logrando introduzir a mulher no banco de trás da viatura, sempre com recurso à violência.

Pelo seu comportamento, o homem foi detido e levado para o posto da GNR tendo, durante o transporte na viatura policial, dito aos três agentes que o acompanhavam: “quero os vossos nomes porque eu vou-vos procurar, isto não fica assim”, como se pode ler na sentença.

Ficou ainda provado que cerca de um ano antes desta ocorrência, em novembro de 2019, a GNR se deslocou à habitação do casal para auxiliar a mulher, que se encontrava na rua à espera das autoridades – ao relento e debaixo de chuva intensa – a retirar do interior do domicílio os seus bens pessoais e a ausentar-se da residência para casa de um familiar.

A juíza considerou que a conduta do homem não atingiu a gravidade necessária para integrar os conceitos de “maus-tratos” e “tratamento cruel” e assim merecer a classificação de violência doméstica.

O homem foi absolvido dos crimes de violência doméstica, ofensas à integridade física simples e ameaça aos agentes que o detiveram.

Esta decisão é particularmente preocupante considerando os níveis alarmantes de violência doméstica em Portugal, e, por contraste, os baixos níveis de denúncia, acusação e condenação. Este problema ganhou particular urgência durante a pandemia, que fechou muitas vítimas nas mesmas casas que os seus agressores, durante vários meses.

Violência doméstica: problema persistente e com baixos níveis de condenações

Alertas sobre esta matéria têm vindo a ser repetidos há vários anos por diversos organismos internacionais de direitos humanos e organizações não governamentais, incluindo a Amnistia Internacional, através dos seus relatórios anuais.

Em abril de 2020, o Comité de Direitos Humanos das Nações Unidas expressou preocupação com a persistência da violência doméstica e com os baixos níveis de denúncias, acusações e condenações relativas a violência de género em Portugal. O Comité notou ainda que a dificuldade em investigar casos de violência doméstica, inclusive quando as vítimas optam por não apresentar queixa, não pode servir de justificação à inação, tendo o Estado o dever de usar todas as medidas ao seu dispor para fazer cumprir os direitos humanos.

Também a Comissária para os Direitos Humanos do Conselho da Europa alertou, em março de 2021, para os níveis extremamente elevados de violência contra mulheres em Portugal e fez várias recomendações às autoridades portuguesas para melhor enfrentarem este problema.

Várias organizações da sociedade civil portuguesa têm também vindo a denunciar que os níveis persistentemente baixos de condenações por violência doméstica poderão contribuir para uma sensação de impunidade dos agressores e de desproteção das vítimas, além de as desencorajar a denunciar abusos.

Em 2020, segundo dados oficiais, morreram 32 pessoas em Portugal vítimas de violência doméstica, 27 das quais mulheres. Foram participadas à PSP e GNR mais de 27 mil ocorrências deste crime. Em 2021, morreram já seis pessoas neste contexto, quatro das quais mulheres.

A Amnistia Internacional relembra que a violência doméstica é uma grave violação dos direitos humanos e, portanto, um crime, cujos autores devem ser responsabilizados. Além disso, insta as autoridades portuguesas a cumprir as obrigações internacionais a que Portugal está adstrito e a tomar medidas que garantam que os crimes de violência doméstica sejam devidamente investigados e levados a tribunal, que as penas atribuídas sejam proporcionais aos crimes, e sirvam, assim, como fator dissuasor para potenciais futuros incidentes. Além da função punitiva, a justiça deve prever a retribuição adequada às vítimas e a reinserção social adequada dos agressores.

Portugal está vinculado aos tratados internacionais de direitos humanos dos quais é parte, e também, desde 1 de agosto de 2014, às obrigações previstas na Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica, comummente conhecida como Convenção de Istambul.

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