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Quinta-feira, Abril 25, 2024

A ameaça ‘PINK’

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

A descoberta das tecnologias de fissão do átomo fez a humanidade entrar numa nova época de terror de que ninguém sabe qual vai ser o fim. Demonstradas as suas capacidades destrutivas em Hiroxima e Nagasáqui, elas revelaram também o quão perigosas são para a humanidade e a vida na terra em ‘Three Miles Island’ e Chernobil, mesmo que apenas por descuido e não por vontade expressa.Durante a guerra fria, os arsenais nucleares dos dois principais blocos em conflito multiplicaram-se a tal ponto que se calculou então terem capacidade para destruir toda a vida da terra, não uma mas muitas vezes. A doutrina estratégica mais em voga nesse tempo foi designada por ‘MAD’ expressão inglesa que significa louco e cujo acrónimo representa a ‘destruição mútua assegurada’ e que se traduz pela hipótese de os decisores políticos serem racionais e por isso garantirem que não utilizam uma arma que assegura a sua autodestruição.

Paralelamente à doutrina MAD foi montada uma arquitectura de controlo atómico internacional com o objectivo de evitar a sua proliferação, objectivo que foi apenas parcialmente conseguido e que passou por imensos episódios da história contemporânea que permanecem relativamente obscuros.

O mais grave falhanço do sistema anti proliferação deu-se através da rede conhecida pelo nome do seu principal actor, o paquistanês A.Q. Khan e deu origem às actuais bombas nucleares paquistanesas, norte-coreanas e quase bomba iraniana a que dediquei um relatório publicado o ano passado pela ARCHumankind, (intitulado The PINK triangle threat, onde PINK é o acrónimo de Paquistão, Irão e Coreia do Norte).

O problema maior colocado por esta proliferação nuclear é o de que, ostensivamente, ele não é possível de ser contido por uma lógica ‘MAD’ porque a loucura implícita no fanatismo é o principal motor desses regimes.

Na verdade, creio que não se trata de formas puras de loucura, ou seja, de total ausência de racionalidade, mas de formas paranoicas de racionalidade, que fazem delas algo de substancialmente mais perigoso.

Como explicava Rafsanjani (recém falecido chefe de uma das duas principais facções do regime iraniano supostamente ‘moderado’) há já mais de um quarto de século, num confronto nuclear com Israel, o Irão teria capacidade para obliterar totalmente o minúsculo território israelita e Israel nunca conseguiria fazer o mesmo com o território iraniano.

Como o demonstraram repetidamente os líderes fanáticos iranianos – que reintroduziram nas técnicas de guerra actuais a lógica Kamikaze – eles não têm a intenção de se suicidar, mas apenas de utilizar outros seres humanos para esse fim.

Baratas e escorpiões: capazes de sobreviver a um holocausto nuclear

Na verdade, contrariamente às antigas previsões, calcula-se hoje que haja formas de vida – baratas e escorpiões são os mais famosos – capazes de sobreviver a um holocausto nuclear. Muitos países apostaram em situações onde a destruição nuclear não fosse absoluta, através da construção de abrigos antinucleares onde os seres humanos poderiam sobreviver de um a dois meses e um planeta onde seria possível pelo menos a alguns sobreviver depois disso.

A racionalidade do terror suicida está na crença por parte dos líderes fanáticos numa assimetria de amor pela vida. Contrariamente ao propagado pelo slogan do jihadismo iraniano, a diferença entre ele e o humanismo não está em que o primeiro ama a morte como o segundo ama a vida, a diferença está em que os líderes fanáticos têm um absoluto desprezo pela vida dos outros, enquanto o humanismo preza a vida de todos.

É isso que precisamos ter em conta para entendermos a equação de Kim Jong Un. O seu grau de tolerância para com os resultados de um conflito nuclear situa-se num patamar absolutamente diverso do dos seus adversários. Enquanto sofrer 1% de vítimas entre a sua população é algo que aparece como totalmente intolerável por parte de qualquer país livre e democrático, sofrer 90% de vítimas entre a sua população é provavelmente um preço julgado aceitável por Kim Jong Un.

Os dirigentes norte-americanos foram alimentando durante um quarto de século a Coreia do Norte com os mais variados incentivos para que este país desistisse do seu plano nuclear, demonstrando uma incompreensão total da lógica em vigor nesse país. Com a sua fé no apaziguamento da paranoia totalitária obtiveram exactamente o contrário do que pretendiam, fazendo do regime norte-coreano uma ameaça existencial que nunca teria nascido se fosse tratada da mesma forma como Israel tratou dos planos nucleares iraquiano e sírio.

Em resultado dessa política, estamos hoje confrontados com uma situação onde não há forma de assegurar soluções aceitáveis. Pior que isso, os dirigentes ocidentais adaptaram ao Irão exactamente a mesma lógica que utilizaram com a Coreia do Norte, assegurando que mesmo que encontremos uma solução no primeiro caso, os dirigentes ocidentais necessitarão de encontrar solução para o segundo.

Aparentemente, a tentativa chinesa de golpe de Estado na Coreia do Norte não resultou, e é difícil avaliar as condições de sucesso de novas tentativas. Em qualquer caso, se é concebível uma evolução do regime norte-coreano do tipo chinês mediante um golpe de Estado, o mesmo resultado é absolutamente irrealista no caso iraniano.

Depois temos estratégias como a do ‘Stuxnet’. Esta conseguiu apenas atrasar o programa nuclear iraniano. Poderá uma estratégia de guerra informática ter melhores resultados no futuro? Ou haverá outras em carteira?

O que me parece claro é que ignorar o problema ou aumentá-lo através de políticas de apaziguamento não são opções válidas.  A ameaça do triângulo PINK não vai desaparecer mesmo se enfiarmos a cabeça na areia.

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