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Sábado, Abril 27, 2024

A economia Palestiniana | Finanças e Ajudas

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

A realidade económica que irá resultar desta nova etapa na conflituosa relação israelo-palestiniana não deverá constituir outra novidade que não a da continuação das restrições e impedimentos israelitas à actividade económica palestiniana e ao agravamento das vulnerabilidades a que aquelas populações há muito vêm a ser sujeitas, e isto é a opinião do insuspeito Banco Mundial.

Num quadro económico de grande pressão e marcado por uma profunda ameaça à sua própria viabilidade não será estranho que a Autoridade Palestiniana (entidade que pretensamente gere os chamados territórios palestinianos) não revele qualquer actividade no campo financeiro, nem disponha de mecanismos para controlar a inflação, a taxa de juros e nem de emissão ou administração de uma moeda nacional, tanto assim que este não existe, pelo que na frágil economia palestiniana têm curso legal três moedas com origens e pesos tão diferentes como o shekel israelita, o dinar jordano ou o dólar americano.

Esta realidade deixa os palestinianos incapazes de controlar a procura e a oferta de moeda ou de utilizar ferramentas monetárias básicas, como as taxas de juro, para estimular a actividade económica, ou a de realizar ajustamentos na taxa de câmbio com vista à absorção de choques económicos internos e externos, o que agrava ainda mais (se tal for possível) a sua dependência de factores monetários externos, como as decisões monetárias americanas ou israelitas sobre taxas de juro e políticas cambiais das moedas que se vê forçada a usar.

Não se estranha, por isso, que o seu incipiente sistema bancário seja fortemente dominado por bancos jordanos (não fosse este sector um dos mais importantes nesta economia vizinha), nem que o principal problema com que aquele se debate seja o do excesso de moeda israelita em circulação, em resultado do número de palestinianos que trabalhando em Israel e nos colonatos judaicos em território palestiniano recebem os salários em moeda israelita.

Com esta acumulação de moeda a ameaçar sufocar o seu sistema financeiro e perante a crescente digitalização dos bancos israelitas e da sua recusa em aceitar o seu próprio papel-moeda (sob a alegação do Banco de Israel de que as transferências em dinheiro vivo, realizadas sem controle, poderiam ser facilmente utilizadas na lavagem de dinheiro e no financiamento do terrorismo) o resultado tem sido a sua constante desvalorização e o consequente encarecimento das importações pagas em dólares norte-americanos, o que aconselharia a rápida adopção de uma moeda própria ou um uso mais intensivo do dinar jordano, tanto mais que depois deste recente reacendimento do conflito israelo-palestiniano o habitual bloqueio israelita à economia palestiniana só se poderá agravar.

Outro sinal da enorme fragilidade da economia palestiniana é a situação altamente deficitária da sua balança comercial que viu nos últimos vinte anos o volume de importações quase duplicar perante a relativa estagnação das exportações e, ainda pior que isso, é a sua extrema dependência da economia israelita.

Os palestinianos dependem da economia israelita para o comércio e até para a maior parte do seu consumo. Com um défice comercial da ordem dos 9 mil milhões de dólares e um PIB que não chega aos 19 mil milhões…

…vivem a situação insustentável para qualquer economia, que é a de ter um défice comercial equivalente a cerca de metade do volume da economia durante um longo período de tempo.

Uma forma de financiar estes défices é o recurso ao endividamento, solução praticamente vedada aos palestinianos por não disporem de fontes de rendimento que assegurem o respectivo pagamento nem serem um estado soberano capaz de garantir a confiança dos credores, outra seria o recurso ao investimento estrangeiro, mas, graças às políticas israelitas de bloqueio e de confisco, o clima de investimento nos territórios palestinianos não é atractivo, tornando difícil encontrar investidores estrangeiros.

Resta assim o recurso à ajuda externa, situação que se tem prolongado no tempo e adaptado à realidade local que é a própria relação disfuncional entre palestinianos e judeus. A ajuda internacional tem variado ao longo do tempo em função da conjuntura local, mas deverá atingir já as largas centenas de milhares de milhões de dólares sem que dela se vejam resultados práticos na melhoria da economia palestiniana. E isso deve-se a um conjunto de fatores que vão desde as fragilidades intrínsecas próprias das economia débeis, até ao facto reconhecido de que a maior parte dessa ajuda acaba por desaguar na economia israelita (em 2010 a Monthly Review escrevia que 71% da ajuda aos palestinianos acaba na economia israelita).

Esta aparente incongruência (a economia ocupante beneficia largamente com a ajuda internacional disponibilizada à economia ocupada, seja sob a forma de tarifas sobre bens e serviços importados para os palestinianos, seja usada para comprar bens e serviços em Israel) fica ainda mais clara se lembrarmos que boa parte dessa ajuda internacional tem sido canalizada para a construção de infraestruturas regularmente destruídas em acções militares (por alegadas “razões de segurança”) sem que até agora os doadores tenham exigido qualquer compensação aos governos israelitas. Quer a construção quer as sucessivas necessidades de construção representam gastos que em nada contribuem para o fortalecimento da economia palestiniana.

Por tudo não é de estranhar que em Maio deste ano o próprio Banco Mundial tenha reconhecido que a economia palestina permanece vulnerável num ambiente de instabilidade sócio-política, nem que outra coisa resulte da situação que vivemos além de novo agravamento da situação económico-social dos palestinianos.

Em resumo poder-se-á dizer que, de tão frágil e dependente do país ocupante (a maior parte do seu território, tal como o redefiniu a ONU em 1967, está efectivamente sob ocupação israelita), a economia palestiniana não existe. Sem moeda própria e alimentada por uma ajuda internacional que na realidade enriquece a economia do ocupante, tem um futuro incerto donde talvez pudesse emergir se beneficiasse de uma consequente e bem estruturada ajuda árabe, que culturalmente mais próxima a ajudasse e pudesse apoiar a libertar-se das limitações criadas pela ajuda ocidental.

 

A economia Palestiniana | Enquadramento

A economia Palestiniana | Dados

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