Mas não é preciso ir até à América do Norte para nos depararmos com verdadeiras barbáries racistas, ainda por cima praticadas por autoridades policiais.
Na verdade, há 2 anos atrás, mais exactamente em 5 de Fevereiro de 2015, um grupo de jovens do bairro da Cova da Moura dirigiu-se à esquadra da PSP de Alfragide para saberem de um amigo que para ali fora levado por agentes policiais.
Na sequência de tal deslocação viram-se atacados por diversos elementos da mesma PSP e brutalmente agredidos, a murro, a pontapé, à bastonada e até a tiros de balas de borracha, primeiro na rua e depois no interior da Esquadra. Mas ainda pior do que isso, e de se verem também acusados de uma pretensa tentativa de invasão da esquadra, tais jovens (entre os quais se contava o rapper LBC de nome Flávio Almada) foram objecto das mais repugnantes manifestações de racismo.
Conforme veio então a público narrado pelas próprias vítimas e foi de novo recentemente recordado, com o respectivo facies distorcido pelo mais primário dos ódios, os polícias em causa, ao mesmo tempo que agrediam sem parar os jovens (inclusive já depois de deitados no chão e até algemados), proferiram repetidamente expressões como estas:
“se eu mandasse, vocês eram todos exterminados”, “não sabem o quanto eu vos odeio, raça do car****”, “pretos de merda”, “o lixo e os cães é para o chão”, “a merda tem de estar no chão”, “macacos”, “têm sorte que a lei não permite, senão seriam todos executados”.
Apresentada queixa contra os agentes directamente envolvidos, alguns deles chegaram a ser temporariamente suspensos, a título preventivo, no âmbito de um processo a cargo da Inspecção Geral da Administração Interna (IGAI), mas rapidamente voltaram ao serviço, à mesma esquadra de Alfragide e até – pasme-se! – ao próprio bairro. Por onde aliás logo andaram a procurar saber quem teria feito queixa contra eles e a afirmar ameaçadoramente qualquer coisa como “isto não vai ficar assim”.
O que está aqui em causa, e bastamente indiciado, é a prática de crimes de enorme gravidade previstos e punidos no Código Penal português, tais como o de tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos graves (artigos 243º e 244º do dito Código), cuja moldura criminal pode ir até 5 ou, nos casos mais graves, até 12 anos de prisão, e o de discriminação racial (artigo 240º do mesmo Código Penal), punível com prisão até 5 anos.
Apesar de toda esta barbárie ter ocorrido, como já referido, em Fevereiro de 2015 e de a queixa ter sido apresentada logo de seguida, as respectivas diligências investigatórias apenas foram atribuídas em Julho desse ano à chamada Unidade Nacional de Contra Terrorismo da Polícia Judiciária. E desde então, e não obstante o prazo máximo de duração de um inquérito-crime desta natureza ser de 18 meses, uma vez já mais que ultrapassado tal prazo ainda nada aconteceu. E a Procuradoria-Geral da República, “para variar”, limita-se a (não) esclarecer que “a investigação ainda está a decorrer”.
E entretanto – e depois de o Ministério Público ter requerido ao juiz de instrução a prisão preventiva… das vítimas!? – os agentes policiais autores destas façanhas estão de volta não apenas ao serviço mas também ao próprio bairro onde moram as vítimas e com elas se cruzam. Tudo isto sem que o mesmo Ministério Público, pelos vistos, veja nesta autêntica exibição de impunidade qualquer problema.
E, mais, o clima e a atitude de revanchismo e permitida atitude de “ajuste de contas” assumem tal gravidade que, como denunciou a direcção da Associação do Moinho da Juventude, alguns dos jovens agredidos já se viram obrigados a sair do Bairro onde moram!
Por outro lado, o rapper Flávio Almada denunciou recentemente que, após algumas acções de formação para darem a conhecer aos jovens do bairro as leis e estes terem começado a invocá-las junto da polícia, o resultado foi que o ataque passou a ser ainda mais violento!
Desde 2015 para cá têm-se repetido as operações ditas “musculadas”, muitas vezes com as televisões atrás, a filmarem, ao vivo e a cores, cercos a bairros inteiros com impedimentos totalmente ilegais de circulação de pessoas, arrombamentos de portas, detenções em directo e acções claramente direccionadas pela negra cor de pele dos “alvos” (aliás como um relatório de peritos da ONU, de 2012, já claramente assinalava), tudo com uma impetuosidade e uma violência absolutamente impossível de se verificar na Quinta da Marinha ou nas Avenidas Novas.
Ora, o que se está a passar de inacção penal e disciplinar relativamente aos autores da barbárie de 5 de Fevereiro de 2015 na Cova da Moura vai seguramente dar muito maus resultados mais tarde ou mais cedo, seja porque os agressores se sentem à vontade para reincidirem nas brutalidades, seja porque as vítimas se convencem em definitivo de que recorrer aos Tribunais não vale a pena e o melhor mesmo é seguir por outro caminho.
Mas mostra também e muito claramente o que são hoje a investigação e a acção criminal em Portugal e como elas se sabem mostrar e portar como muito fortes para com os fracos, mas logo se mostram fracas quando se trata de defrontar os fortes…