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Quarta-feira, Março 27, 2024

Ambientalismos

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

O ambiente é um dos temas políticos que mais se tem prestado à confusão, manipulação e demagogia em praticamente todas as latitudes e quadrantes de opinião. Porque considero o ambiente um tema político maior, junto aqui algumas reflexões que pretendem clarificar o debate e posições.

  1. Grelha de leitura

O dicionário Cambridge em linha define o ambientalista como alguém que se interessa ou estuda o ambiente e que procura preservá-lo de danos causados pela acção humana.

A primeira fonte de equívocos é a da dicotomia interesse / conhecimento científico. O conhecimento ou a falta dele é essencial no ambiente como em tudo; saber ou ignorar o mal que faz um determinado produto químico pode ser mais decisivo para o dano que provocamos ao ambiente do que o interesse específico que tenhamos na preservação ambiental.

O cidadão da Idade Média poderia ter um enorme interesse em escapar à peste negra mas a falta de conhecimento científico pode ter tornado irrelevante esse interesse, sendo que haverá nos nossos dias muito conhecimento sobre a matéria sem nenhum interesse específico.

Quando gosto mais de passear na floresta do que num deserto faço-o pelo meu interesse relativo e esse interesse pode ser mais ou menos independente de qualquer conhecimento científico sobre valores, impactos ou vantagens da floresta.

Posso complementar o meu interesse relativo pela floresta com algum conhecimento que possa justificar socialmente (e por vezes apenas reconfortar-me nas minhas opções) o privilegiar a defesa da floresta. Posso utilizar algum conhecimento de forma selectiva, ou mesmo abusiva, quando não de forma demagógica e manipuladora, para defender esse meu interesse, interesse que pode ser ele mesmo ficcionado, escondendo o interesse real.

Em qualquer caso, interesse e conhecimento, apesar de se condicionarem mutuamente, têm alguma independência.

Questão mais importante é a da consideração da preservação de danos no ambiente ter de se restringir a danos impostos pela acção humana para ser considerada ambiental.

Nesta perspectiva, a devastação causada pelo choque de um meteorito na terra, contrariamente à que poderá resultar de uma acção humana (e.g. catástrofe nuclear ou outra) não é uma preocupação ambientalista, apesar de poder ter resultados semelhantes.

Cientificamente, uma catástrofe nuclear e um acidente espacial são naturalmente duas matérias diversas, mas a questão que temos aqui equacionada é a de saber se elas devem ser separadas na base da ‘responsabilidade da acção do homem’.

Como sabemos, boa parte do conhecimento astronómico dedica-se hoje a prever as probabilidades de um acidente espacial com a terra e existe alguma investigação sobre como prevenir um acidente desse tipo, incluindo com a utilização de armamento nuclear.

Uma boa parte dos que como eu se consideram ambientalistas não se revêm nessa posição e gostariam de evitar da mesma forma um cataclismo independentemente das suas causas puramente humanas ou puramente naturais, naturalmente em primeiro lugar pelas consequências que elas teriam para a humanidade mas também por razões puramente ambientais.

Como me lembro de ter ouvido de um geólogo neo-zelandês há já quase quatro décadas, no rescaldo do grande sismo no grupo central dos Açores ‘os sismos não matam, o que mata é não tomar medidas para prevenir os efeitos dos sismos’, ou seja, a fronteira entre a origem natural e artificial dos ‘danos’ é muito questionável.

Se somos ambientalistas porque temos interesse em preservar o ambiente (por exemplo a floresta) seria incompreensível que a floresta apenas nos interessasse se pudéssemos atribuir à acção humana os danos sobre ela e que nos fosse indiferente a sua preservação acaso essa acção fosse menos óbvia (ou se se tratasse apenas de inacção).

É verdade que por vezes a vontade de preservar o ambiente nos pode levar a cometer erros e na verdade maiores danos ambientais porque o nosso conhecimento sobre a matéria se revelou limitado e ou parcelar, ou ainda porque uma forma determinada de preservar um ângulo do ambiente se faz no desprezo ostensivo de danos colaterais.

Mais prosaicamente, o ambiente pode e serve frequentemente de verbo-de-encher para justificar acções que nada têm a ver com ele. Não creio contudo que isso nos possa conduzir a ver a acção humana como necessariamente ambientalmente negativa.

  1. O niilismo ambientalista

Mesmo sem ter em conta casos limite, não há uma linha divisória clara que possa proscrever necessariamente todo o impacto humano no ambiente. O montado, um dos ecossistemas mais ameaçados entre nós e que eu como muitos outros que se classificam como ambientalistas defendem, é um ecossistema profundamente marcado pelo ser humano.

Existe uma aproximação alternativa utilizando critérios objectivos (biodiversidade, conservação dos solos, água e ar, sustentabilidade) para dirimir a questão se saber se estamos a falar de acções ambientalistas ou não, que não introduzam o factor humano como critério.

O problema é que a defesa do ambiente, como a defesa de condições de maior equidade na humanidade ou que combatam a discriminação está profundamente contaminada por uma lógica niilista que está mais interessada em condenar em bloco todo o percurso da humanidade até aos nossos dias do que analisar de forma equilibrada o que houve de bom e de mau e sobretudo como assegurar que tudo melhore.

Há uma dimensão psicológica deste niilismo que decorre de um profundo mau estar, de um sentimento de culpa por se pertencer a um país, a uma cultura ou um grupo que praticou múltiplas malfeitorias no passado e que apenas se pode dirimir dos seus pecados pelo sofrimento e pela privação, e daí ser ambientalista identifica-se apenas com a multiplicação de privações de toda a ordem.

Por vezes, por trás desse niilismo escondem-se também, como em quase tudo, estratégias políticas. Existem leituras do fenómeno que consideram a degradação do ambiente como efeito secundário de sistemas políticos. A mais tradicional foi a de o capitalismo ser o verdadeiro problema, mas é uma tese que caiu em desuso perante as catástrofes ambientais que caracterizaram os regimes comunistas.

Contemporaneamente, é mais vulgar considerar o ambiente como argumento dúplice para pôr em causa as vantagens de um determinado país em produzir determinadas matérias-primas produzidas num país mas não noutros. Assim, a retórica do aquecimento global não seria mais do que uma forma de questionar os interesses dos que produzem hidrocarbonetos, a defesa das florestas e ecossistemas naturais sobreviventes não seria mais do que uma forma de afastar o desenvolvimento de alguns países por parte de outros que, em qualquer caso, em épocas mais recuadas, devastaram os ecossistemas nos seus territórios.

Traçar a linha de demarcação entre o conspiracionismo e a detecção de discursos que se apresentam como ambientalistas mas que na verdade são norteados por outros interesses é algo de complexo; a verdade é que frequentemente essas realidades coexistem.

  1. Ambientalismo humanista

A dicotomia ambiente – economia é talvez a que mais marca o debate contemporâneo, e fá-lo de forma não menos abusiva do que as identificações a que fizemos referência até aqui.

Os conceitos fundamentais de contabilidade nacional de onde surgem os termos esgrimidos no debate não fazem sentido e caucionam absurdos no que quer que seja que se possa considerar ‘ciência económica’, absurdos que vão muito para além de alguns exemplos conhecidos por todos.

O problema é que a ciência económica precisa de ser totalmente revista para poder ser utilizada de forma significativa neste debate, e enquanto isso assim não acontecer teremos naturalmente de nos precaver com a elaboração de uma contabilidade ambiental que supervisione e que em numerosos casos substitua a mais conhecida contabilidade nacional.

A pedra angular de toda a construção terá de ser a humanidade, compreendendo naturalmente os seus valores que apelamos hoje de económicos que tem de ser colocada em equilíbrio com o ambiente, não porque necessariamente ambos os termos sejam antagónicos mas porque eles não são necessariamente convergentes.

Não estou em crer que haja soluções únicas, e daí a necessidade de se encontrarem equilíbrios políticos pelo método menos mau que conhecemos, sendo que o mais importante é afastarmos do caminho aquilo que impede a clara compreensão do que temos em debate.


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