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Sábado, Abril 20, 2024

Angola: “A descolonização não pariu apenas a independência”, lembra Raul Tati

No dia em que Angola assinala 40 anos de independência, o activista pela causa de Cabinda, expulso da Igreja, diz que há em Luanda uma minoria que «abocanha com voracidade as riqueza do país»

tati10Meia-noite, 11 de Novembro, 1975. Há 40 anos, Agostinho Neto anunciava o nascimento da República Popular de Angola. Quatro décadas depois, o activista e professor universitário Raúl Tati, que continua a proclamar a autonomia do enclave de Cabinda, anseia por uma mudança que ponha fim “ao actual regime autoritário”.

Ao Tornado, o ex-vigário geral da diocese de Cabinda, expulso pelo Vaticano em 2011, diz que o cenário mais esperado, interna e externamente, é a transição pacífica para “uma verdadeira democratização” do país, onde a Constituição seja respeitada “como pressuposto sagrado de um Estado democrático de direito”. “A geração da independência deve agora passar o testemunho à nova geração de líderes,  melhor equipados técnica, política e cientificamente para uma governança competente no mundo globalizado”, defende.

“O outro grande flagelo, depois da guerra, é a corrupção institucionalizada que grassa a sociedade”

Raúl Tati não tem qualquer dúvida de que a maior conquista de Angola foi a própria independência, no sentido mais amplo e clássico da sua autodeterminação. “O nascimento de um novo Estado, como entidade soberana e como actor pleno das relações internacionais, deve ser assinalado como o feito mais positivo”.

No entanto, o balanço das últimas quatro décadas também se tece em críticas: “ a descolonização não ‘pariu’ apenas a independência”, acusa ao apontar os contras resultantes da descolonização polémica, cujo processo, diz, “ficou viciado” pelos interesses em jogo, quer dos movimentos de libertação quer da parte de Portugal – “a potência colonial que não soube segurar o leme”.

“Corrupção institucionalizada”

Para Raúl Tati, o colapso do Acordo de Alvor e a guerra civil que se lhe seguiu podem ser apontados como “os maiores males que causaram imenso sofrimento aos angolanos, que ficaram reféns das estratégias sórdidas das super-potências da guerra fria para o terceiro mundo”. “A liberdade ficou seriamente comprometida, e sem paz não se pode gozar plenamente dos frutos da liberdade”, sublinha.tati6

Ainda sobre a análise dos últimos 40 anos, denuncia “a corrupção institucionalizada que grassa a sociedade” como o outro grande flagelo depois da guerra. “O nascimento de uma oligarquia poderosa (governantes e seus afins) em Angola fez com que esta minoria abocanhasse com voracidade as riquezas do país com esquemas sofisticados de enriquecimento fácil e fabuloso”.

Por fim, o activista remata: “o desvio sistemático do erário público apeou caminho para a actual crise económica e financeira que o país atravessa e a queda dos preços do petróleo é apenas a causa imediata, mas não é a origem do problema actual.”

Preso várias vezes

Raúl Tati é autor do livro “Cabinda: Percurso histórico entre Deus e César, de 1975-2012”, lançado no ano passado, onde são relatados factos sobre os conflitos do enclave e traçado o percurso das atribuladas relações entre a Igreja, os nacionalistas cabindas e o poder de Luanda.mapa angola e cabinda2

Assume-se como uma das vozes mais incómodas para o governo de Luanda. A sua luta pela defesa da autonomia de Cabinda e pelos direitos humanos teve um preço: foi julgado e condenado várias vezes. Mas nem a prisão o demoveu de apontar o dedo à comunidade internacional “por estar manietada por Angola”. Recorde-se que, depois de vários episódios de tensão no enclave, Tati, juntamente com mais sete sacerdotes, chegaram mesmo a ser proibidos de celebrar missas. Em 2011, acabou por ser expulso da Igreja Católica. A par de torturas, periodicamente descritas em relatórios sobre violações dos direitos humanos, o padre denunciou por várias vezes dezenas de «execuções sumárias» atribuídas às autoridades policiais e militares nos últimos anos.

O enclave de Cabinda, de onde provém a maior parte da produção petrolífera de Angola, é palco desde 1975 de uma luta independentista

O enclave de Cabinda, de onde provém a maior parte da produção petrolífera de Angola, é palco desde 1975 de uma luta independentista. Ao longo dos anos houve várias cisões e alianças na organização mas actualmente é a facção da FLEC de Nzita Tiago, a única que ainda mantém a resistência armada.

A Frente de Libertação do Enclave de Cabinda alega que o território ainda é um protectorado português nos termos do Tratado de Simulambuco. O documento assinado a 1 de Fevereiro de 1885 serviu para Portugal defender na Conferência de Berlim, que estava a decorrer na altura, os seus direitos sobre Cabinda, território que era pretendido pela França, Reino Unido e Bélgica.

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