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Quinta-feira, Março 28, 2024

As imagens do real – um outro festival dentro do festival

José M. Bastos
José M. Bastos
Crítico de cinema

67ª SEMINCI – Semana Internacional de Cinema de Valladolid

Se a atenção de grande parte dos espectadores da SEMINCI está focada nas obras de ficção é também verdade que muitos não dispensam a visão dos documentários aqui exibidos. Pode-se dizer que as áreas de programação dedicadas a esse tipo de produções são tão vastas que constituem um festival dentro do festival.

Os documentários da 67ª Semana de Valladolid, que decorre até ao próximo dia 29 de Outubro, estão agrupados em duas secções com carácter competitivo e por isso dotadas de júris específicos. São elas ‘Tiempo de História’, com filmes provenientes de vários países (incluindo de Espanha) e ‘DOC. España’ com obras de produção espanhola.

 

‘Tiempo de Historia’

Ciência, música, política em múltiplas abordagens (da extrema direita alemã, à vida na Sérvia ou  ao Estado Islâmico), o ensino em bairros operários irlandeses, a proteção a adolescentes em perigo, o acolhimento de crianças refugiadas. Estes são alguns dos temas das obras, dos quatro cantos do mundo, que integram “Tiempo de História”. Uma mostra que é um panorama de muitos problemas e situações vividos, nos tempos que correm,  em diferentes sociedades.

Esta secção inclui este ano 17 longas metragens, a saber:

  • Eine deutsche Partei/ Um Partido Alemão, de Simon Brückner (Alemanha), um olhar para o interior do partido de extrema direita ‘Alternativa para a Alemanha’;
  • A House Made of Splinters / Uma Casa feita de Estilhaços, de Simon Lereng Wilmont (Dinamarca / Finlândia / Suécia / Ucrânia). Prémio para o melhor realizador de documentário no Festival de Sundance. O filme mergulha num refúgio de crianças separadas dos pais em consequência da guerra da Ucrânia;
  • Afghan Dreamers, de David Greenwald (Afeganistão), que acompanha uma equipa de raparigas afegãs que trabalha em segredo num projecto de robótica;
  • Where Are We Headed? / Para Onde Vamos?, de Ruslan Fedotov (Rússia), duplamente premiado no Festival de Cinema Documental de Amesterdão. Filmando durante um ano os utentes do ‘metro’ de Moscovo o filme tem um olhar crítico sobre questões culturais e sociais na Rússia;
  • Alis, de Clare Weiskopf e Nicolas van Hemelryck (Colômbia / Roménia / Chile), documentário sobre um albergue colombiano para raparigas adolescentes, premiado nos festivais de Berlim, Lima e Guadalajara;
  • All That Breathes, de Shaunak Sen (Índia / EUA / Reino Unido), Grande Prémio do Júri em Sundance e melhor documentário no Festival de Cannes, a história de dois irmãos que se dedicam à protecção do milhafre-negro em Nova Deli;
  • De humani corporis fabrica, de Véréna Paravel e Lucien Castaing-Taylor (França /EUA /Suíça). Os autores são cineastas, artistas e antropólogos que trabalham no Laboratório de Etnografía Sensorial da Universidad de Harvard. O filme mostra como a carne humana é uma paisagem extraordinária. O corpo humano como nunca foi visto;
  • Young Plato, de Neasa Ní Chianá in e Declan McGrath (Irlanda / Reino Unido / França /Bélgica), que retrata o sonho do director de uma escola de um bairro operário de Belfast de estimular os alunos a superar os limites e carências da sua comunidade;
  • The Eclipse, de Nataša Urban (Noruega), prémio para o melhor filme no CPH:DOX de Copenhaga, analisa as consequências das decisões políticas na  Sérvia, país natal da realizadora;
  • Happer’s Comet, de Tyler Taormina (EUA), um mosaico nocturno que revela uma localidade dos arredores da grande cidade mergulhada no isolamento;
  • My Old School, de Jono McLeod (Reino Unido), que se debruça sobre caso de Brandon Lee que em 1993 era um adolescente aparentemente com uma inteligência muito acima da normalidade;
  • Sin libertad, 20 años después, de Iñaki Arteta (Espanha). Vinte anos depois, o realizador retoma o contacto com os familiares de vítimas da ETA que entrevistou na média metragem “Sin libertad”;
  • Osho, the Movie, de Lakshen Sucameli (Índia / Alemanha / Itália), um retrato do mais conhecido e controverso guru indiano através do testemunho de pessoas que com ele conviveram;
  • Piano Dreamers, de Gary Lennon e Richard Hughes (Irlanda / Alemanha), a história de três jovens da cidade chinesa de Xangai que perseguem o sonho de se tornarem pianistas;
  • Rojek, de Zaynê Akyol (Canadá), prémio especial do júri do festival canadiano Hot Docs, é um documentário que recolhe declarações de membros do Estado Islâmico espalhados pelo mundo;
  • The Royal Republic, da espanhola Carmen Cobos que pertenceu ao júri desta secção em 2010 e está radicada nos Países Baixos. Neste filme podemos acompanhar o grupo de músicos da secção de timbales e percussão da Orquestra Real do ‘Concertgebouw’ de Amesterdão;
  • La Tara, da argentina Amparo Aguilar, desenrola-se a partir da banda sonora do único filme surrealista filmado na Argentina, ‘Tararira: la bohemia de hoy’, de 1936.

 

As curtas e médias metragens de “Tiempo de Historia”

  • Haulout de Evgenia Arbugaeva e Maxim Arbugaev (Reino Unido/Rússia);
  • Jaime de Francisco Javier Rodríguez (Bélgica);
  • La mécanique des fluides de Gala Hernández López (França);
  • Mincéir de Teresa Lavina (Irlanda);
  • Miss D de Paddy Hayes (Irlanda);
  • Party Poster de Rishi Chandna (Índia),
  • Will You Look at Me de Shuli Huang (China);
  • Ponto Final de Miguel López Beraza (Espanha/Portugal);
  • Vidres de colors de Esteve Riambau (Espanha)

 

O júri de “Tiempo de Historia”

O júri de ‘Tiempo de Historia’ é formado por Pere Puigbert, montador, realizador e professor catalão, por Mohamed Saïd Ouma, cineasta e organizador de festivais e por Shoaib Sharifi, vencedor desta secção no ano passado com ‘My Childhood, My Country – Twenty Years in Afghanistan’.

 

“DOC. España”

Acontecimentos históricos, do passado mais ou menos remoto até à actualidade e biografias de figuras importantes da política  ou da cultura  são parte importante das 16 longas metragens que integram esta secção.

Centrados em factos da História temos:

  • Los constructores de la Alhambra de Isabel Fernández, sobre a edificação, na época da ocupação árabe, do famoso palácio de Granada;
  • La red Ponzan de Ismael Gutiérrez, crónica do trabalho de resgate humanitário durante a guerra civil espanhola e a segunda guerra mundial; e
  • Regreso a Raqqa de Albert Solé e Raúl Cuevas, relato do sequestro pelo Estado Islâmico de 19 jornalistas e funcionários de ONG’s de diferentes nacionalidades.

A vida (ou parte da vida) de personalidades da política e da cultura estão retratados em:

  • Velázquez, el poder y el arte de José Manuel Gómez Vidal) sobre o pintor Diego Velázquez;
  • Clara Campoamor, un voto para despertar de Rafael Alcázar, sobre uma activista feminista, sufragista, advogada, política e escritora que fugiu de Espanha durante a guerra civil;
  • Emilia, de Miguel Ángel Calvo Buttini, abordagem da figura de Emilia Pardo Bazán, notável escritora do final do século XIX e início do século XX;
  • El embrujo de Quijat, de Chumilla-Carbajosa, centrado na figura do actor Rafael Álvarez ‘El Brujo’;
  • María Casares: a muller que viviu mil vidas de Xavier Villaverde, retrato da célebre actriz do teatro e cinema francês, natural da cidade galega da Corunha e que se exilou em França aquando da guerra civil espanhola.

Concretamente sobre figuras do cinema temos:

  • El joven Berlanga, os primeiros 25 anos da vida do cineasta Luis García Berlanga contados pelo seu sobrinho-neto Chechu García-Berlanga;
  • Florián Rey, De luz e de sombra de Vicky Calavia, o resgate da memória de Florián Rey, importante cineasta espanhol do cinema mudo e do cinema da II República;
  • Fiel a lo incierto de César Martinez Herrada sobre a controversa figura do realizador Gonzalo García Pelayo; e
  • Alma quebrada, do mesmo Gonzalo García Pelayo.

Completam esta seleção:

  • Los Xey, una história de película de Eneko Olasagasti e David Berraondo sobre um grupo musical basco que, nos meados do século XX, conseguiu fama mundial;
  • Kautela, el fotógrafo de Patricia Roda Amador que recorda Francisco Martínez Gascón, fotógrafo quasedesconhecido mas considerado como um dos uno de los precursores do fotojornalismo moderno;
  • En Bailar la locura de Marta Espar e Maiol Virgili, filme com bailarinas que procuram explorar os limites da normalidade e da loucura;
  • Hafreiat de Alex Sardà que acompanha uma missão arqueológica espanhola no norte da Jordânia

A secção DOC España inclui ainda as curtas-metragens El maestrat filmat de Fermín Sales, Réquiem Georg, de Raúl Riebenbauer e  a  co-produção  luso-espanhola O Penico Branco, de Adán Aliaga e Beatriz Freire.

 

O júri de “DOC. España”

O júri desta secção é formado por Teresa Lavina, directora artistica e executiva de Nova Productions Limited, pelo historiador de cinema e programador basco Miguel Zozaya e por Daniel Pérez Pamies membro do grupo de investigação sobre as origens do cinema (GROC) da Universidade de Girona e crítico cinematográfico em diversas publicações.

 

Aprender com quem sabe

Para além da imensa programação de cinema a SEMINCI oferece também aos participantes no certame a possibilidade de assistirem a actividades de carácter pedagógico.

Jim Sheridan, para muitos o mais importante cineasta irlandês e ‘Espiga de Honor’ desta 67ª edição, vai dar hoje uma ‘clase magistral’. O realizador de documentários Javier Corcuera oferece uma oficina de cinco dias sobe ‘El proceso de creación de una película documental. O realizador romeno Cristian Mungiu, ‘Palma de Ouro de Cannes com ‘4 meses, 3 semanas, 2 dias’, e que acompanha em Valladolid a retrospectiva que o festival lhe dedica, deu ontem a sua ‘clase magistral’.

 

Cinema e gastronomia

A exemplo do que acontece noutros festivais, por exemplo em San Sebastián, o certame de Valladolid também reserva um espaço da sua programação ao cinema e gastronomia.

O habitual ciclo ‘Cine, Vino & Gastronomía’ mudou de nome. Agora chama-se ‘Cine Gourmet’ e é composto por quatro filmes, duas longas de ficção e dois documentários (um curto e um longo).

Do italiano Davide Minnella está cá La Cena perfetta, filme de 2022, que conta a história de um mafioso da Camorra que dirige um restaurante para branquear dinheiro sujo mas que também sonha com uma estrela Michelin.

Também de 2022, Umami de Slony Sow (França/Japão, 2022), de Slony Sow. Protagonizado por Gérard Dépardieu o filme convida-nos a seguir um célebre cozinheiro francês detentor de três estrelas Michelin que depois de sofrer um enfarte viaja para o Japão à descoberta dos mistérios do ‘umami’, o ‘quinto sabor’.

Ljubomir Stanišić – Coração na boca, de Mónica Franco (Portugal, 2021), focado no conhecido cozinheiro bósnio residente no nosso país e María José San Román. La esencia sostenible (Espanha, 2021), de Vicente Seva e Manuel Sánchez que retrata uma cozinheira de Alicante comprometida com a sustentabilidade e com o meio ambiente, são os documentários da mostra.

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