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Sábado, Abril 27, 2024

As raízes sócio-económicas dos desastres naturais

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

O sismo que abalou Marrocos e as cheias que se abateram sobre a Líbia, que em conjunto deverão ter ceifado umas duas dezenas de milhares de vidas, são apenas os mais recentes desastres naturais, com a esmagadora maioria das vítimas a registaram-se nos campos e nas montanhas ou entre as populações mais desfavorecidas e esquecidas pelos poderes.

E isso não é acaso nem fatalidade quando se constata que na sua maioria os governos deixam as vítimas entregues à sua própria sorte ou à solidariedade das populações das zonas menos afectadas pelos cataclismos, para lhes fazerem chegar bens essenciais, como alimentos, água e abrigos.

Tal como no terramoto que no início deste ano atingiu a Turquia e a Síria e que ceifou dezenas de milhares de vidas, estas fatalidades não podem continuar a ser vistas como meras catástrofes naturais. Nos tempos actuais e especialmente nos países menos desenvolvidos, em que a política das elites dominantes é maioritariamente determinada pela procura do poder e da riqueza pessoal, as suas consequências desastrosas estão directamente ligadas aos interesses económicos e às condições sociais existentes, num claro desrespeito pela vida das populações. A prová-lo temos a comparação com o terramoto que ocorreu em 2011 na cidade japonesa de Fukushima, que bem mais intenso (grau 9 na escala de Richter) que este agora de Marrocos, registou duas dezenas de milhar de vítimas (entre mortos e feridos graves) maioritariamente devido ao tsunami que se lhe seguiu, o que só pode ser explicado pelos consideráveis investimentos em habitações mais seguras e resistentes.

É absolutamente inaceitável que, quando já existem conhecimento e tecnologia capazes de limitar enormemente o impacto de tais eventos, continuemos a confrontar-nos com resultados desta natureza, enquanto os governos recusam impor normas de construção que aumentam os gastos necessários em habitações e infraestruturas mais seguras. Esse conluio com os interesses de investidores e especuladores imobiliários é especialmente evidente quando 16 das 20 cidades mais propensas a terramotos listada pela Forbes (que albergam milhões de habitantes) se situam em países pobres – as dez primeiras são Kathmandu (Nepal), Istambul (Turquia), Delhi (Índia), Quito (Ecuador), Manila (Filipinas), Islamabad (Paquistão), San Salvador (El Salvador), Cidade do México (México), Izmir (Turquia) e Jacarta (Indonésia), sendo Tóquio (no 11º lugar) a primeira dos países Ocidentais –, enquanto mantêm uma atitude quase fatalista como se nada houvesse a fazer.

Em contrapartida vemos que biliões de dólares foram destinados nos últimos trinta anos a resgates bancários e a guerras como as da Jugoslávia, Afeganistão, Iraque, Síria, Líbia, Mali e agora Ucrânia, enquanto na maioria das zonas de grande intensidade sísmica, milhões de pessoas continuam a viver em habitações inseguras ou próximo de infraestruturas fortemente degradadas por falta de manutenção, que podem condená-las à morte em caso de um grande sismo, de uma forte tempestade ou pelo seu simples e inevitável colapso.

Acompanhando as imagens de desolação e de destruição em Marrocos e na Líbia, constata-se a relativa ausência e o grande silêncio das autoridades (que no caso líbio pode encontrar alguma justificação na caótica situação sociopolítica que resultou da intervenção franco-americana em 2011, mas que no caso marroquino parece pura insensibilidade) que mais que um sinal de debilidade quase parece atitude de desdém.

Outro sinal da pouca consideração pelas populações afectadas foi o anúncio de um auxílio francês de 5 milhões de euros, uma ínfima percentagem dos 200 milhões de euros de ajuda militar francesa à Ucrânia, que nem a pouco diplomática atitude do governo marroquino de apenas considerar as ajudas oferecidas por quatro países (Espanha, Inglaterra, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos) pode explicar. Mas pior ainda foi o anúncio da doação norte-americana de um mísero milhão de dólares uma semana depois de terem anunciado mais mil milhões para a guerra na Ucrânia.

O pouco sentido de responsabilidade dos governantes não pode ser disfarçado pela crónica afirmação da falta de meios financeiros, quando estes prontamente aparecem para outras realidades muito pouco humanitárias; que o digam as populações marroquinas afectadas por este sismo, os habitantes da cidade líbia de Derna varridos pelo colapso de uma barragem ou os milhares de sobreviventes turcos e sírios do terramoto de Fevereiro que vivem em tendas enquanto assistem à frágil reconstrução das suas habitações que voltarão a ruir ao próximo sismo.

Um pouco por todo o lado, quer nos países ocidentais quer no Sul Global, assistimos passivamente à actuação de uma elite irresponsável que desperdiça recursos necessários ao bem-estar e à segurança das populações e que se mostra preocupada apenas com os seus interesses e a sua própria segurança, quando a via correcta seria a de utilizar os recursos essenciais da actividade económica mundial (indústria e comércio) na satisfação das necessidades sociais básicas (saúde, educação e segurança), incluindo a protecção contra eventos naturais extremos.

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