Quinzenal
Director

Independente
João de Sousa

Quarta-feira, Maio 7, 2025

As secretas à espreita e à escuta…

António Garcia Pereira
António Garcia Pereira
Advogado, especialista em Direito do Trabalho e Professor Universitário

Encontram-se presentemente no Parlamento, para debate e bastante provável aprovação, dois projectos de lei que pretendem consagrar o acesso pelos Serviços de Informações aos dados de tráfego de telemóveis e internet dos cidadãos.

Encontram-se presentemente no Parlamento, para debate e bastante provável aprovação (pois Costa tê-la-á já negociado, pelo menos, com o PSD e o CDS), dois projectos de lei (um do CDS – Projecto de Lei nº 480/XIII/2ª e outro do Governo – Proposta de Lei nº 79/XIII) que pretendem consagrar o acesso pelos Serviços de Informações aos chamados “metadados”, ou seja, aos dados de tráfego de telemóveis e internet dos cidadãos. Isto, claro, sob o habitual pretexto da prevenção da prática de crimes como os de terrorismo ou de espionagem.

Tal acesso é, aliás, enfática e entusiasticamente defendido pelo SIRP – Serviço de Informações da República Portuguesa e até pela Comissão dita de Fiscalização do mesmo Serviço.

O que diz a Constituição da República Portuguesa

Ora e desde logo, a ainda não revogada Constituição da República Portuguesa, entre outros, no seu artigo 34º, nº 4, proíbe a intercepção de comunicações ou escutas – e dados e tráfego são escutas, como aliás os Tribunais criminais até aqui sempre têm entendido… – a não ser no âmbito de um processo-crime, e sempre e só desde que prévia e devidamente autorizadas por um juiz de instrução criminal.

Vai daí e para, com todo o descaramento, procurar driblar o referido impedimento constitucional, as propostas em causa e agora mais em especial a do Governo trata de atribuir a competência para autorizar esse tipo de escutas feitas pelos Serviços de Informação aos juízes do Supremo Tribunal de Justiça, como se pudessem conferir competência investigatória e fiscalização “jurisdicional” a quem, nos termos da lei e da Constituição, não a tem. E, mais, na proposta do Governo, tais juízes do Supremo têm que decidir de tal acesso no máximo em 72 horas e, em casos ditos de urgência, em 24 horas!?

Como funcionam os Tribunais

Quem conheça minimamente o funcionamento dos nossos Tribunais, e em particular do Supremo Tribunal de Justiça (cujos juízes, muitos deles, estão espalhados pelo País e desembarcam em Santa Apolónia apenas nos dias das respectivas sessões, normalmente quinzenais), sabe perfeitamente que tais prazos, para serem cumpridos, iriam consubstanciar-se na produção de simples decisões tabelares, de mera e automática adesão aos fundamentos apresentados para as ditas escutas, sem qualquer exame crítico dos mesmos, ou seja, iriam significar autênticas “decisões de cruz” ou meros “vistos”.

E, para mais, tudo isto será pretensamente controlado por uma dita “Comissão de Fiscalização” composta por… 3 magistrados do Ministério Público, ou seja, por outros tantos do género “Júlio Pereira”, isto é, do Secretário-Geral do Sistema de Informações da República Portuguesa, cujos serviços e funcionários – convém não esquecê-lo! – acederam e espionaram ilicitamente a faturação detalhada do telemóvel de um jornalista que escrevera umas quantas linhas críticas sobre o dito sistema, a fim de assim procurarem identificar as respectivas fontes.

Além de que a referida autorização de acesso seria dada por um prazo de 3 meses, prorrogáveis por outros 3, ou seja, poderia durar meio ano.

Posição da Comissão Nacional de Protecção de Dados

Sabe-se que a Comissão Nacional de Protecção de Dados deu um parecer desfavorável – precisamente por questões de inconstitucionalidades várias – relativamente ao projecto do CDS. E que aquilo que chegou a ser apresentado como uma posição igualmente crítica e contrária por parte do Conselho Superior da Magistratura foi rapidamente recolhido por este, sob a invocação de que se tratava apenas de um “documento de trabalho” e não de uma posição final.

Entretanto, vão-se multiplicando (em favor da solução legal projectada) os argumentos mais inaceitáveis do ponto de vista democrático, desde o já tristemente célebre de que os fins justificariam os meios até ao de que, como alegadamente o número de pessoas objecto deste tipo de diligências não seria muito elevado, o grau de devassa da privacidade e intimidade dos cidadãos, fora do âmbito de qualquer processo criminal, não seria assim muito grande!!??

O que dizem os partidos?

Ora nada disto, pelos vistos, suscita qualquer real e efectivo sobressalto democrático, designadamente junto dos partidos e forças políticas que se dizem de esquerda, sobressalto esse que obviamente não se pode, nem deve esgotar num qualquer voto contra, e respectiva declaração, mas teria antes que significar uma denúncia e um combate tão duros e tenazes quanto corajosos e persistentes até que esta medida policiesca seja derrotada.

Porque não tenhamos dúvidas: não obstante todas as “justificações” que se pretendam apresentar, do que se trata aqui é de propiciar – para mais a serviços de informações e a seus agentes e dirigentes que já mostraram do que são capazes – o acesso, sem qualquer controle real e efectivo, e muito menos uma verdadeira e própria verificação jurisdicional, a dados pessoais que se prendem com a identidade e com a actividade não só pessoal, familiar e profissional (e tanto já bastava), mas também cívica, sindical, política ou religiosa de todos e cada um de nós.

Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a nossa Newsletter. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

- Publicidade -

Outros artigos

- Publicidade -

Últimas notícias

Mais lidos

- Publicidade -