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Terça-feira, Abril 23, 2024

Não somos todos humanos?

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Aasiya Noreen Bibi (Asia Bibi, Junho de 2009)

  1. O apartheid religioso

O nosso estudo realizado no âmbito do “South Asia Democratic Forum” (SADF) sobre a perseguição às minorias e nomeadamente o apartheid religioso praticado pelo Paquistão publicado há alguns meses é, perdoem-me a imodéstia, o mais sintético, melhor e mais actual que se pode consultar na web em língua inglesa sobre o pior sistema de violação de direitos humanos existente no planeta e que apareceu finalmente nos visores da opinião pública internacional a propósito da exigência do assassínio de Aasiya Noreen Bibi, mais conhecida como Asia Bibi.

Asia Bibi, cristã, teve a ousadia de beber água pelo mesmo copo das mulheres muçulmanas e, pior ainda, quando confrontada com o crime ousou formular a pergunta que lhe valeu a sentença de morte: ‘Não somos todos humanos?’

A resposta, por parte do sistema jihadista paquistanês, assente num rigoroso apartheid é, inequivocamente: não!

A comunidade internacional exultou quando, finalmente, um tribunal declarou Asia Bibi inocente. E a verdade é que o sistema judicial construído pelo Estado Islâmico ao longo das décadas, torna obrigatória a condenação à morte do que quer que seja considerado blasfemo, e como é o clero fanático que faz ultimamente a interpretação do que é blasfémia, pensar na igualdade de direitos da humanidade pode bem ser considerado blasfémia.

Trata-se, no entanto, de um dos vários logros com que se atira poeira para os olhos da opinião pública, porque ainda ninguém foi executado ao abrigo da lei – e o sistema judicial tenta fazer crer que as regras do “Estado de Direito” herdadas da colonização britânica são ainda válidas – mas centenas de vítimas foram assassinadas assim que libertadas depois de acusadas de blasfémia.

E é por isso que o acordo assinado entre as autoridades formais e o Tehreek-i-Labaik (TLP) – organização fanática animada pelo “deep state” a quem Imran Khan deve o poder – pelo qual seria negada a autorização a Asia Bibi para deixar o país, não deveria surpreender ninguém: é o assassínio pelas hordas fanáticas como se pratica há muito, sob o silêncio quando não a cumplicidade da comunidade internacional.

  1. Asia Bibi

Asia Bibi tornou-se um caso exemplar exactamente pela rapidez da sua condenação – na generalidade os juízes não ousam absolver as vítimas e adiam por anos as sentenças com medidas processuais – e essa condenação obrigou a sociedade paquistanesa a confrontar-se com a realidade.

Num curto espaço de tempo, o Governador da província do Punjab, Salmaan Taseer – onde se deram os eventos – e o Ministro das Minorias Shahbaz Bhatti, pronunciaram-se contra a condenação. Foram ambos sumariamente assassinados!

O assassino de Salmaan Taseer foi um dos seus guardas, pertencente ao mesmo corpo de elite que ‘assegura’ a protecção das armas nucleares paquistanesas, Malik Mumtaz Qadri. A justiça condenou-o e executou-o, em segredo, não conseguindo contudo evitar que ele fosse transformado em herói, com direito a mausoléu e à veneração de incontáveis figuras públicas.

Compreende-se assim que o advogado de Asia Bibi tenha fugido do país e que o seu marido apele desesperadamente à obtenção de asilo para toda a família para tentar evitar o assassínio implícito que se encontra exarado no acordo entre o primeiro-ministro Imran Khan e os seus apoiantes do TLP.

  1. As responsabilidades da comunidade internacional

Claro que nada disto impediu a eleição do Paquistão como membro do “Conselho de Direitos Humanos” para o período de 2018-2020, na tradição de apaziguamento e cumplicidade com a violação sistemática dos direitos humanos a que nos habituou as Nações Unidas onde é a razão de Estado que mais ordena.

E nem as óbvias responsabilidades do Paquistão no 11 de Setembro, tanto antes como depois, levaram os EUA a entender o perigo do fanatismo islâmico paquistanês. Apesar das palavras claras de Donald Trump – o único presidente americano que ousou dizer o óbvio – tudo aponta para que a máquina burocrática americana esteja a voltar à mesma política suicida de sempre.

A esse propósito é bom lembrar as especiais responsabilidades da então Secretária de Estado americana Madeleine Albright que, como ficou documentado no relatório nacional americano sobre o 11 de Setembro, impediu a designação do Paquistão como Estado promotor do terrorismo e que tem a ousadia de querer vir agora explicar em livro o que é o ‘fascismo’, quando não o entendeu quando era essencial que o entendesse.

Mas nada ultrapassa em monstruosidade burocrática e estupidez a acção da União Europeia que encomendou a uma empresa afiliada à China – e usada pelo Estado chinês para a sua política de cooperação externa – o estudo do cumprimento pelo Paquistão de legislação internacional em matéria de direitos humanos e afins, estudo que, claro, concluiu pelo comportamento exemplar do Paquistão e pela continuação do estatuto comercial mais favorável concedido a um país terceiro.

A União Europeia – e muito em particular o Reino Unido – têm sido os principais fautores e financiadores externos de um sistema educativo que inculca o ódio e a discriminação às crianças e tem ignorado soberanamente as recomendações claras e precisas que o SADF lhe tem feito nesta matéria e têm também por essa razão responsabilidades acrescidas na situação presente.

Será que o mundo vai finalmente acordar para a maior fábrica de monstros que existe no planeta?

 

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