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Segunda-feira, Abril 29, 2024

Bancos de desenvolvimento financiam a grande indústria. Não o desenvolvimento

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Quando as questões ligadas ao crescimento e desenvolvimento das economias voltaram à ordem do dia e se entre nós se voltou a falar na necessidade de um “banco de fomento”, que têm vindo a revelar o papel dos bancos internacionais de desenvolvimento no financiamento às grandes empresas multinacionais

Quando, covid-19 oblige, as questões ligadas ao crescimento e desenvolvimento das economias voltaram à ordem do dia e se entre nós se voltou a falar na necessidade de um “banco de fomento”, não será descabido lembrar notícias recentes, como esta do THE GUARDIAN, que têm vindo a revelar o papel dos bancos internacionais de desenvolvimento no financiamento às grandes empresas multinacionais, nomeadamente às do sector agro-alimentar. Só o Banco Mundial financiou 1,8 mil milhões de dólares nesse tipo de operações, com mais da metade dos fundos destinados às grandes empresas de lacticínios, contribuindo, segundo um trabalho produzido pelo Instituto de Agricultura e Política Comercial (organização norte-americana sem fins lucrativos, de pesquisa e defesa que promove sistemas sustentáveis de comércio e produção de produtos alimentares), o relatório Milking the Planet, para o aumento da concentração empresarial e o consequente desaparecimento da maioria dos pequenos produtores de lacticínios.

Essas instituições de financiamento público, como o Banco Mundial ou o seu braço privado, a International Finance Corporation (IFC), e o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (BERD), que têm por missão a redução da pobreza e a ajuda no desenvolvimento dos países, canalizaram milhares de milhões de dólares para alguns das mais poderosas empresas de lacticínios e de produção e transformação de carnes do mundo.

Segundo o The Bureau of Investigative Journalism, o BERD financiou subsidiárias da Danone no leste europeu e na Ásia central tendo em vista a expansão daquela multinacional francesa (que no ano passado registou um volume de negócios de quase 26 mil milhões de euros) na Rússia, Ucrânia, Bielorrússia e Cazaquistão, enquanto a Smithfield Foods, Inc. (o maior processador norte-americano de carne de porco que é uma subsidiária do Grupo WH, o principal produtor de suínos do mundo e líder de mercado na China, nos EUA e nos principais mercados da Europa) recebeu 60 milhões de dólares para a sua subsidiária na Roménia, não sendo por isso de estranhar que já 2009, o New York Times informava que o número de criadores de suínos na Roménia tinha contraído 90%, esmagados pela política de baixos preços praticada pela Smithfield.

Mas as práticas de recurso a fundos públicos para apoios mais ou menos disfarçados às grandes empresas não se resume ao desvio de recursos de crédito, nem aquela foi uma situação isolada, pois em 2018 a Smithfield Foods Inc, uma empresa americana subsidiária de um grupo económico chinês, recebeu 50 milhões de dólares dos contribuintes norte-americanos através de um resgate do governo Trump a título de indemnização pela guerra comercial com a China.

O Banco Europeu de Investimento é o instrumento financeiro da UE orientado para o apoio de projectos inseridos nas políticas europeias em matéria de ajuda e cooperação para o desenvolvimento – respeitando critérios como o reforço da competitividade das indústrias e das pequenas e médias empresas europeias, a criação de redes transeuropeias (transportes, telecomunicações e energia), o fomento do sector das tecnologias da informação, a protecção do ambiente natural e urbano e a melhoria dos serviços de saúde e de educação e privilegiar as regiões mais desfavorecidas – que ainda recentemente afirmou pretender aumentar a participação no financiamento de projectos orientados para a sustentabilidade climática e ambiental, nos termos do Pacto Ecológico Europeu, mas admite no seu documento de posição sobre o roteiro ponderar o apoio ao investimento para as altamente poluentes indústrias de carnes e lacticínios, sem clarificar o que entende como tal e deixa em aberto a possibilidade de também apoiar processos de concentração de mercado em várias partes da cadeia de abastecimento, incluindo as ambientalmente controversas actividades de processamento e produção em sistemas intensivos e/ou extensivos.

De instituições com objectivos tão especificamente orientados para o desenvolvimento do tecido de PME’s seria de esperar uma actuação de apoio a práticas agrícolas e mercados alimentares descentralizados que sustentasse abordagens orientadas para a preservação dos ecossistemas e que os seus empréstimos concedidos com fundos públicos tivessem que desempenhar um papel de alguma regulação, apoiando, por exemplo, a implementação da Estratégia da Quinta para o Garfo (movimento social que promove o serviço de comida local em restaurante e refeitórios escolares, de preferência através da aquisição directa ao produtor) e contribuindo para a reforma de uma PAC que canaliza 18% a 22% do orçamento da UE para a pecuária e não em claro benefício das grandes empresas do sector agro-alimentar.

Infelizmente este tipo de ambiguidades e de desrespeito pelos princípios orientadores é também expectável com o novel Banco Português de Fomento, agora já com autorização de Bruxelas, que vai resultar da fusão de instituições com origens e modus operandi tão diversos (basta lembrar que a última tem por missão a prestação de garantias financeiras) como a Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD), a PME Investimento e a Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua (SPGM), e que pretende retomar a função que teve o reformado Banco de Fomento Nacional em Banco de Fomento Exterior, vinte e quatro depois da sua integração no Grupo BPI.


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