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Quarta-feira, Março 27, 2024

Meu caro Francisco Louçã…

Francisco Oneto
Francisco Oneto
Professor Universitário

Francisco Oneto em resposta ao artigo de Francisco Louçã “A armadilha finlandesa, ou prometer o céu de graça”, publicado nos blogues do Público a 4 de Fevereiro de 2017 publicamos o comentário do colunista do Jornal Tornado

Caro Francisco, parece-me muito oportuna a sua crítica a qualquer proposta de RBI que implique empobrecimento, tanto ao nível dos salários como das prestações sociais – nisso estou inteiramente de acordo consigo. Mas seria bom esclarecer, contudo, que entre os adeptos do RBI impera a diversidade, tal como naturalmente sucede nas forças políticas que comportam no seu seio correntes, sensibilidades, tendências, etc. É bastante difícil, por exemplo, aceitar que Francisco Assis e Sérgio Sousa Pinto pertencem ao mesmo partido de Pedro Nuno Santos ou João Galamba; ou – mais inconcebível, ainda – aceitar que em partidos de esquerda possa haver adeptos de uma corrente política (LIT-CI) que vê na guerra da Síria um movimento revolucionário de massas e que clama pela entrega de armamento pesado aos “rebeldes” (verídico!!!). Compreendo, pois, que o olhar dos detractores do RBI tenda para uma crítica uniformizante que elide o que a mim me parece essencial, perdendo assim o bébé com a água do banho.

Sou da opinião que o RBI nunca poderá ser um instrumento para diminuir benefícios sociais e, muito menos, para mercadorizar a protecção social, como sugere, mas exactamente o contrário: o RBI deve redistribuir riqueza em bases humanizadoras que combatam e anulem os efeitos gravosos da dilatação da esfera da mercadoria para os domínios da vida humana mais apetecíveis para os predadores. Se entre os adeptos do RBI há quem pense o contrário, lamento-o do mesmo modo que muita gente na minha esquerda deve lamentar a miopia dos que olharam para a tragédia de Alepo com os olhos da LIT-CI, por exemplo.

O RBI só pode ter como objectivo aumentar a protecção social de quem não a tem e dela precisa – um número cada vez maior de pessoas, infelizmente, à medida que a robotização do mundo avança, alavancada pela rede digital global (faz agora um ano que o World Economic Forum anunciava em Davos a perda de 5 milhões de empregos em 5 anos num conjunto de 15 países ditos “desenvolvidos”). Por isso mesmo, Yannis Varoufakis, que não sofre dos mesmos frémitos reaccionários da nossa esquerda sempre que se fala no RBI, defende que «todos os cidadãos devem ter garantidos direitos de propriedade sobre parte da riqueza que as máquinas produzem. Nós precisamos de instituir um rendimento básico universal, que seja financiado pelo retorno do capital, não pelos impostos».

E aqui chegamos à sua questão central, que é o que salta aos olhos de todos os detractores do RBI: de onde vem o dinheiro para pagar a despesa? A resposta a este problema não é simples e eu vejo-a viciada à partida pelos pressupostos implícitos na pergunta, de modo idêntico àquele que verificamos, por exemplo, quando alguém se queixa da “despesa” com a construção de escolas e a contratação de professores, esquecendo-se porém de quantificar o enriquecimento proporcionado no longo prazo pelos imensos benefícios decorrentes da educação, largamente superiores à despesa. Ver apenas custos é um sintoma das habituais vistas curtas de quem não consegue abandonar o “horror económico” (Viviane Forrester).

O RBI é um interessantíssimo passo em frente rumo a um paradigma outro que não o da escassez organizada e da soteriologia do “crescimento”. Mais não seja, porque se torna cada vez mais doloroso assistir ao espectáculo da degenerescência de uma esquerda que já não é capaz de exigir mais do que o direito à generalização da exploração, com o trabalhismo e a perniciosa fantasia do pleno emprego como instrumentos privilegiados da continuidade do actual regime de acumulação de capital.

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