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João de Sousa

Quinta-feira, Março 28, 2024

Carta aberta pelo fim do ISDS

Mais de 300 Organizações da Sociedade Civil de 73 países pedem uma verdadeira mudança nas discussões que estão a decorrer ao nível das Nações Unidas sobre os direitos dos investidores garantidos através do sistema de resolução de disputas investidor-estado (conhecido pela sigla inglesa ISDS).
Mais de 300 grupos da sociedade civil e sindicatos – incluindo organizações globais, como a Public Services International, Amigos da Terra Internacional e ActionAid – apelaram aos governos que participaram esta semana nas reuniões das Nações Unidas em Viena  no sentido de promover uma profunda alteração do controverso sistema de resolução de disputas investidor-estado, que é parte integrante de muitos acordos de comércio e investimento internacionais.

Publicamos a tradução para português do texto completo da carta original:

Aos Estados Membros da UNCITRAL

Como representantes de organizações da sociedade civil de todo o mundo, reiteramos a nossa oposição inequívoca ao regime de resolução de litígios entre investidores e Estado (ISDS) e os amplos direitos para investidores previstos nos tratados de comércio e investimento. O ISDS e o regime de tratados de investimento dão poder a um grupo de interesses – empresas multinacionais e investidores – para processar governos à margem dos seus sistemas de justiça judiciais nacionais, exigindo indemnizações multimilionárias, até mesmo pela perda de futuros lucros “expectáveis”. Uma vasta gama de leis nacionais, decisões de tribunais, regulamentos e outras iniciativas governamentais estão sujeitas a esse ataque, incluindo por políticas aprovadas para promover o bem-estar público.

Nos últimos anos, este aspecto do comércio internacional e do regime de investimento atraiu cada vez mais críticas, por parte de governantes, funcionários governamentais dos mais diversos quadrantes políticos, pequenas empresas, professores universitários, juristas, organizações da sociedade civil e sindicatos de todo o mundo, que têm proclamado publicamente a sua oposição aos sistemas ISDS e apelado aos governos para abandonarem este regime. O aumento explosivo do número de casos de ISDS e os ganhos bilionários das grandes empresas através do ataque a políticas promotoras do bem-estar público, levaram alguns governos a denunciar tratados que incluíam ISDS e a rejeitar novos acordos de investimento que concedem aos investidores estrangeiros direitos excessivos e o acesso ao ISDS.

No contexto deste justificado protesto global contra o ISDS, a Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial (UNCITRAL) – um órgão da ONU que historicamente tem lidado com questões comerciais internacionais e que é fortemente dominado pelo sector da arbitragem – lançou o Grupo de Trabalho III para “identificar e tomar em conta objecções relativas ao ISDS; ponderar se uma reforma seria desejável, à luz de quaisquer preocupações identificadas; e – caso o Grupo de Trabalho concluísse que a reforma seria desejável -, desenvolver soluções relevantes a serem propostas à Comissão”. Congratulamos os governos membros da UNCITRAL por reconhecerem que o actual regime ISDS é politicamente e economicamente insustentável.

No entanto, após duas reuniões do Grupo de Trabalho III da UNCITRAL, ficou claro que o âmbito da discussão está longe de abordar as falhas fundamentais de um regime de investimento internacional que atribui poder a uma classe já poderosa da sociedade – investidores estrangeiros – para contestar leis que protegem o interesse público, à margem dos tribunais nacionais. Embora concordemos com muitas das críticas levantadas pelos governos nas UNCITRAL, quanto às falhas processuais existentes no sistema ISDS – incluindo os elevados custos para os governos, a falta de transparência do processo, a falta de coerência dos critérios das indemnizações, a impossibilidade de recurso, mesmo quando existiram falhas processuais manifestas, o problemático processo de nomeação dos árbitros, a falta de requisitos éticos relativamente aos árbitros e os efeitos perversos do financiamento da arbitragem por terceiros – elas representam apenas uma pequena parte das muitas falhas e perigos do sistema ISDS e do regime associado aos tratados de investimento.

A menos que este regime seja reconsiderado na sua totalidade, incluindo repensar se atinge os objectivos pretendidos, a menos que sejam eliminados os direitos empresariais substanciais e amplos subjacentes aos tratados, o trabalho  do Grupo de Trabalho III da UNCITRAL não trará nenhuma mudança significativa.

Rejeitamos expressamente as tentativas da União Europeia de fazer pressão no Grupo de Trabalho III da UNCITRAL, em favor de um “Tribunal Multilateral de Investimentos”, apresentando-o como “Solução”. Esta proposta da UE não só impediria a abordagem da maioria das falhas fundamentais dos sistemas ISDS e do actual regime de tratados de investimento, mas parece ainda ter sido concebida para manter intactos os aspectos mais prejudiciais do ISDS. As mudanças processuais propostas pela UE não limitariam os direitos substantivos extraordinários concedidos exclusivamente a investidores estrangeiros que ultrapassam as leis nacionais internas relevantes.

E sobretudo, a proposta da UE continuaria a permitir que investidores estrangeiros contestassem políticas que visem a salvaguarda da saúde, a preservação do meio ambiente e a promoção de padrões, ultrapassando os sistemas de justiça nacionais dos países. Tal “Tribunal Multilateral de Investimento” tornaria irreversível o regime associado aos tratados de investimento, num momento em que vários governos ponderam abandoná-los.

Ao invés de se centrarem em ajustes processuais, à margem do essencial, os governos da UNCITRAL devem centrar os seus esforços na discussão sobre como superar totalmente o actual regime associado aos tratados de investimento. Assim, um foco mais construtivo para a UNCITRAL seria centrar-se nos problemas estruturais do regime de tratados de investimento e numa discussão sobre a rescisão ou substituição de acordos existentes, sem que os países estejam vinculados às extensas cláusulas de “sobrevivência”.

Apelamos aos nossos governos para que se abstenham de assinar novos acordos de comércio e investimento que incluam essas ou outras tentativas de reforçar ainda mais o actual regime de arbitragem e protecção do investimento.

Com os melhores cumprimentos,

 

Plataforma TROCA – Por um Comércio Internacional Justo

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