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Terça-feira, Abril 23, 2024

Colômbia. Cali – o epicentro da repressão

Novo comunicado e relatório da Amnistia Internacional – “Cali: En el epicentro de la represión”. O relatório expõe as violações de direitos humanos por parte das autoridades colombianas sobre manifestantes pacíficos em Cali.

Incluíram o uso de armas letais contra estas pessoas, detenções arbitrárias e até tortura. Os acontecimentos documentados demonstram um padrão de ação violenta das autoridades colombianas, que respondem às manifestações pacíficas com criminalização, violência e força desproporcionada.

A cidade de Cali situa-se numa das regiões mais atingidas pelo conflito armado, é a cidade da América Latina com a segunda maior população afrodescendente e carateriza-se pela desigualdade, exclusão e racismo estrutural. Por sua vez, é também um local que concentra grande número de protestos, assim como de repressão e violações de direitos humanos.

As práticas das autoridades colombianas destacadas no novo relatório – “Cali: No epicentro da repressão” (no original: Cali: En el epicentro de la represión) – incluem o uso de armas letais contra manifestantes, utilização excessiva e ilegítima de armas menos letais como gás lacrimogéneo, detenções ilegais e tortura. A investigação expõe centenas de testemunhos da população, manifestantes, e organizações de direitos humanos, que refletem o modus operandi repressivo que tem vindo a ser aplicado em todo o país, refere a Amnistia Internacional.

“As autoridades colombianas violaram os direitos humanos dos manifestantes pacíficos em Cali, fazendo uso excessivo e desnecessário de força para os dispersar. Sob justificação do restabelecimento da ordem, centenas de pessoas ficaram feridas e dezenas de jovens perderam as suas vidas. O que aconteceu em Cali revela a violenta resposta das autoridades e dos verdadeiros objetivos por trás desta repressão: provocar medo, desencorajar o protesto pacífico e punir aqueles que exigem viver num país mais justo”, mencionou Erika Guevara-Rosas, diretora das Américas da Amnistia Internacional.

A cidade de Cali, capital do departamento de Valle del Cauca, situa-se numa das regiões mais atingidas pelo conflito armado interno e é onde diversos atores armados continuam a deslocar forçadamente e a matar milhares de pessoas. É a cidade com a segunda maior população afrodescendente da América Latina e carateriza-se pela desigualdade, exclusão e racismo estrutural. Este contexto tem contribuído para Cali concentrar um grande número de protestos, mas também de violações de direitos humanos no contexto da repressão.

Desde 28 de abril, no âmbito da “Greve Nacional”, têm ocorrido protestos em massa em Cali. A cidade reúne a maior concentração de denúncias graves de repressão violenta por parte das forças de segurança e grupos civis armados contra jovens manifestantes, e as autoridades continuam a restringir o direito ao protesto pacífico até ao presente.

A Amnistia Internacional procedeu a uma verificação digital exaustiva do material audiovisual, que mostra o uso excessivo e desnecessário de força por agentes da Polícia Nacional, em particular, agentes do Esquadrão Móvel Anti-Distúrbios (ESMAD). A organização também documentou atos de paramilitarismo urbano cometidos por civis armados, que acompanhavam agentes da Polícia Nacional e, com o seu consentimento e tolerância, atacaram manifestantes e defensores de direitos humanos.

O relatório analisa três acontecimentos específicos que reuniram vários casos de violações de direitos humanos em Cali. O primeiro ocorreu a 3 de maio quando, numa incursão conhecida como “Operação Siloé”, agentes da Polícia Nacional, em conjunto com agentes da ESMAD e do Grupo de Operações Especiais da Polícia Nacional Colombiana (GOES), utilizaram armas letais, como espingardas Tavor de 5,56 mm, contra manifestantes pacíficos. Nessa noite, houve pelo menos três mortes por ferimentos de bala – incluindo a do jovem Kevin Agudelo -, centenas de pessoas feridas e diversas detenções arbitrárias.

O segundo acontecimento examinado foi o ataque contra a Minga Indígena, por civis armados na presença de agentes da Polícia Nacional, a 9 de maio. Nesse dia, 11 pessoas indígenas foram feridas, entre eles, a defensora de direitos humanos Daniela Soto.

Por último, a investigação apresenta acontecimentos de 28 de maio, quando agentes da Polícia Nacional recorreram a força excessiva, juntamente com civis armados, e atacaram manifestantes no bairro perto da Universidad del Valle. Nesse dia, uma dezena de jovens manifestantes – entre os quais Álvaro Herrera, Noé Muñoz e Sebastián Mejía – foi espancada e detida por civis armados que, mais tarde, os entregaram à Polícia Nacional. Álvaro e Sebastián relataram que foram sujeitos a tortura e tratamento cruel durante a sua detenção ilegal.

No caso de Siloé, o gás lacrimogéneo foi utilizado de forma ilegítima e excessiva – mesmo contra manifestantes pacíficos que não tinham para onde se dispersar – e envolveu o uso de Venom, um sistema inapropriado para aplicar em operações de manutenção da ordem pública.

Os acontecimentos documentados não foram casos isolados ou esporádicos. Refletem o padrão de ação violenta das autoridades colombianas, que responderam às manifestações com estigmatização, criminalização, repressão policial ilegal e militarização. A 28 de maio, quando o Presidente Iván Duque decretou a militarização de várias cidades do país, incluindo Cali, não optou por trazer uma oportunidade de diálogo, alimentando antes os protestos e enviando forças militares com mais de seis décadas de treino em conflito armado para as ruas.

Em resposta ao anúncio das mobilizações de 20 de julho e à realização da Assembleia Popular Nacional, composta por pessoas, grupos e movimentos envolvidos na Greve Nacional, em diferentes cidades do país, incluindo Cali, o Governo de Valle del Cauca emitiu medidas que restringiam a mobilidade dos transportes e/ou pessoas que entravam na região, entre 16 e 22 de julho, limitando o direito à manifestação pacífica desta forma.

O relatório realça também as recentes observações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), na sequência da sua visita à Colômbia, e apela ao Estado para que cumpra as suas recomendações e não impeça o trabalho do Mecanismo Especial de Monitorização de Direitos Humanos na Colômbia, recentemente criado pela CIDH.

A investigação insta ainda as autoridades colombianas a emitir prontamente uma ordem inequívoca para pôr termo à repressão violenta por parte das forças de segurança. Isto implica a proibição do uso de armas letais para dispersar multidões e o uso de gás lacrimogéneo contra reuniões pacíficas e/ou de uma forma que possa causar danos excessivos e injustificados – de acordo com as 30 Regras para o uso de irritantes químicos na aplicação da lei publicadas pela Amnistia Internacional esta semana.

Devem ser igualmente iniciadas investigações exaustivas, independentes e imparciais sobre as violações de direitos humanos e crimes de Direito Internacional cometidos no contexto da Greve Nacional, mais concretamente, na cidade de Cali e nos casos detalhados no relatório, tendo em conta todas as responsabilidades no âmbito da linha de comando das forças de segurança, bem como a participação de civis armados com a sua tolerância. A impunidade não deve prevalecer para estes crimes graves.

A 12 de julho, a Amnistia Internacional solicitou informações, sobre os três casos documentados no relatório, ao Ministro da Defesa, ao Diretor-Geral da Polícia Nacional e ao Procurador-Geral, a fim de receber os seus comentários no prazo de dez dias e a incluí-los no relatório. A 23 de julho, o juiz 158 da jurisdição militar enviou uma resposta sobre as investigações iniciadas nessa jurisdição. A data de encerramento do relatório foi nesse mesmo dia e apenas contou com essa resposta por parte das autoridades.

A 19 de julho, o Presidente Iván Duque apresentou publicamente “o processo de transformação integral da Polícia Nacional” que, segundo afirmou, tem como pilares a priorização de uma perspetiva de direitos humanos. Apesar deste anúncio, no dia seguinte, a Amnistia Internacional recebeu informação de que membros da ESMAD tinham utilizado força ilegal durante protestos em Bogotá, Barranquilla, Cali e Medellín, ferindo vários manifestantes.

“A Amnistia Internacional espera que o processo de reforma policial, anunciado pelo Presidente colombiano, não seja apenas uma promessa no papel, e que contemple as reformas ordenadas pelo Supremo Tribunal de Justiça em setembro de 2020 e uma mudança no modus operandi repressivo da Polícia Nacional contra as manifestações pacíficas”, concluiu Erika Guevara-Rosas.

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