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Quarta-feira, Abril 24, 2024

Da Argentina vem um forte candidato à “Espiga de Ouro”

José M. Bastos
José M. Bastos
Crítico de cinema

61º SEMINCI - Cinema de autor

Habituados que estamos a uma oferta muito pouco variada na esmagadora maioria das salas de cinema portuguesas, ocupadas quase exclusivamente pela produção norte-americana, é uma “dádiva dos deuses” a diversidade de propostas que podemos encontrar em festivais como a SEMINCI (Semana Internacional de Cinema) que está a decorrer na cidade espanhola de Valladolid e que estamos a companhar.

Nos dois primeiros dias do certame vimos nove longas-metragens com as seguintes origens: Espanha, Israel, Egipto, Croácia, França, Argentina, Líbano, Índia e Tailândia.

Esta é uma oportunidade rara para tomar contacto com muitas cinematografias pouco ou nada presentes nos nossos ecrãs e com filmes maioritariamente radicados no conceito de “cinema de autor”, consigna que faz parte do logotipo desta mostra cinematográfica.

Forte candidato ao palmarés SEMINCI

Do que vimos até agora, na secção oficial, o maior destaque vai para “El Ciudadano Ilustre”, co-produção entre a Espanha e a Argentina realizada por Gastón Duprat e Mariano Cohn, e “Les Innocentes”(em Portugal: “Agnus Dei”) da francesa Anne Fontaine.

El Ciudadano Ilustre

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O primeiro, candidato argentino ao Óscar para o Melhor Filme Estrangeiro em 2017, é um trabalho que vem mostrar mais uma vez a grande qualidade do cinema desse país latino-americano. Daniel Mantovani é um escritor argentino radicado em Espanha, laureado com o Nobel da Literatura e reconhecido internacionalmente por uma obra que, viremos a saber, está fortemente influenciada pelas vivências da juventude na sua terra natal e pelas pessoas que aí conheceu.

Instado a aceitar homenagens e participações em encontros literários nos quatro cantos do mundo, tudo isso ele rejeita. Aceitará contudo, para espanto dos mais directos colaboradores, deslocar-se à terra natal (após décadas de ausência) para receber o título de “cidadão ilustre”.

Em Salas, uma vilória rural quase parada no tempo, o escritor irá ser confrontado com a hipocrisia dos que querem usar o seu nome para se promoverem e com alguns problemas do seu passado remoto que nunca foram satisfatoriamente resolvidos.

O actor Oscar Martinez, que com este seu desempenho da figura de Daniel Mantovani, foi distinguido com o Prémio Volpi (Melhor Actor) no recente Festival de Veneza, dá corpo a um personagem que nos convida a reflectir sobre a liberdade da criação, os perigos da utilização de pessoas reais como inspiração para personagens literárias, e também sobre o que é a cultura.

Tudo isto num tom em que o humor, a ironia e alguma tensão se combinam de forma muito conseguida. “El Ciudadano Ilustre” é um forte candidato a integrar o palmarés desta SEMINCI.

A este propósito refira-se desde já que o certame de Valladolid não está, como outros, obrigado a retirar da competição filmes que tenham concorrido noutros festivais o que redunda numa selecção particularmente interessante.

Outro destaque

O outro destaque vai, como já referimos para o filme de Anne Fontaine, a “madrinha” da Festa do Cinema Francês que está a decorrer em Portugal. “Agnus Dei” que foi de resto Prémio do Público na parte da “Festa” que já terminou em Lisboa, vai ter certamente distribuição comercial em Portugal e é um trabalho cujo visionamento recomendamos vivamente.

Agnus Dei

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Baseado em factos reais o filme passa-se num convento polaco em Dezembro de 1945. Após o final da Segunda Guerra Mundial um número significativo de freiras que foram violadas primeiro pelos nazis e depois pelos russos ficam grávidas. Uma médica ao serviço da Cruz Vermelha Francesa num hospital de Varsóvia passa a ser visita frequente do convento e vai ajudar muitas das freiras a terem os seus filhos.

Filme dramático, pleno de conflitos religiosos e de “consciência”, “Agnus Dei” é também uma obra em que os valores da solidariedade e da abertura para os comportamentos dos outros têm especial relevância.

Filmes violentos

Finalmente uma referência para outros dois filmes em que a violência está presente de forma muito vincada.

Eshtebak

eshtebak

“Eshtebak” do egípcio Mohamed Diab, é um relato perturbador da viagem até à morte de um grupo de pessoas que é encarcerado dentro de um furgão durante uma manifestação aquando da tomada do poder por radicais islâmicos. Elementos da “irmandade muçulmana”, seus opositores, jornalistas, militares e polícias, todos são metidos dentro da viatura.

O filme é todo feito dentro desse espaço reduzidíssimo e uma realização cinematográfica notável dá-nos conta de um microcosmos perfeitamente revelador de um clima social, político e religioso extremamente violento.

Anatomia da Violência

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Por outro lado, “Anatomia da Violência” de Deepa Mehta, procura encontrar respostas para o comportamento do grupo de violadores que em 2012 atacaram uma jovem indiana num autocarro em Nova Deli. Uma realização com particularidades técnicas e estéticas pouco comuns segue o percurso dos atacantes desde a sua infância e o seu ambiente familiar até se tornarem indivíduos violentos e com práticas inaceitáveis. Um filme incómodo que aborda um tema que infelizmente não é exclusivo da Índia.

 

Os filmes em vídeo

“El Ciudadano Ilustre”

 

“Les Innocentes”

 

“Eshtebak”

https://youtu.be/oage7YOcS0s

 

“Anatomia da Violência”

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