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João de Sousa

Quinta-feira, Abril 25, 2024

A kianda infiel

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As ondas iam e vinham cada vez mais intensas e batiam em seu corpo estático, só as sentiu quando lhe arrancaram a beata do cigarro que lhe queimava os lábios, tinha o rosto encharcado com algo que se confundia com agua, lágrimas e suor… (não seria a mesma coisa?).

De súbito levantou-se e começou a gritar gesticulando encolerizadamente:

– Meu Deus …. Que fiz para merecer tanta dor? Eu não pedi para a amar, e não era ela quem eu queria amar …

Fechou os olhos e a correnteza em seu rosto aumentou, lembrou-se de quando era livre e podia mergulhar em qualquer abraço sem sentir-se culpado, sem pensar na kianda.

Sim a kianda , aquele ser divinal que tem o beijo doce como o pecado e o abraço tão terno que insinua eternidade, esta mesma kianda que doa alívios em troca de um sorriso cifrado … a consoladora dos marinheiros dos setes mares mais um, acolhedora de viajantes e emigrantes que vêm para colher e acabam se implantando .

E ele não entendia o porque é que ela lhe negava a exclusividade, porque é que ia e vinha sem ser de ninguém, se podia tê-lo por completo, porque vagueava pelas curvas da cidade abraçando e curando, e pior, viciando… não entendia esta dependência tão intensa que às vezes chegava a doer… como se pode amar alguém tão profundamente depois de um mísero instante juntos? Depois de o entrelaçar com os seus quadris naquele milésimo de segundo sentiu-se coagido a assinar um pacto de fidelidade e lealdade, mas ela nunca nem sequer leu o contrato.

Hoje finalmente colocaria fim naquela tortura. Sem ela sim, mas longe dela nunca mais.

Arrancou a camisa, escreveu qualquer coisa na areia, olhou para o Sol que se punha com cumplicidade e fez o sinal da cruz e em silêncio dirigiu-se ao altar do sacrifício e mergulhou para a eternidade. Renunciando a tudo e todos para, no fundo do mar, não mais mendigar a atenção da kianda que o enfeitiçou.

Em forma de rejeição uma onda sacudiu-o com ciúmes e cuspiu-o de volta para a areia, tossiu profundamente e cuspiu grotescamente para o lado, acendeu um cigarro, olhou para o despertador … estava 30 minutos atrasado… tinha de ir trabalhar …

Mãe dos setinhos –Luanda -Angola
A autora escreve em PT Angola

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