Na última quarta-feira, 17/09/2016, uma bomba em formato de matéria do jornal “O Globo” atingiu o Brasil. O Presidente Michel Temer teria sido gravado por Joesley Batista (dono da JBS) e o áudio seria prova de que Temer teria dado aval para a compra do silêncio de Eduardo Cunha.
As horas que sucederam a matéria até a divulgação da transcrição do áudio foram tensas, para dizer o mínimo. A revolta da população e o caos nos mercados financeiros no dia seguinte deram a tônica do que se passava. O Brasil parou para ouvir Michel Temer dizer, duas vezes seguidas, que não iria renunciar. As transcrições não foram exatamente o que tinha sido noticiado no “O Globo” e a implosão da base aliada do governo não aconteceu. Por enquanto.
O debate passou a ser sobre quando e como Michel Temer sairá da Presidência. No dia 06 de junho o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) irá julgar a chapa Dilma-Temer (das eleições de 2014). O cenário-base era que Temer não teria muitos problemas e qualquer percalço poderia ser contornado através de recursos no próprio TSE ou no Superior Tribunal Federal (STF). Não há muita gente que coloque dinheiro nessa aposta agora.
Existem dois grupos de possibilidades sobre o que pode acontecer se Temer sair do governo: eleições diretas ou indiretas. O que vai acontecer? Não sei. E esse é o problema.
A incerteza vai sangrar a economia
O tempo que vai demorar a resolução da situação política no Brasil é tão importante quanto a solução em si. Quanto mais se protela, mais a incerteza ganha corpo. Se antes o cenário incorporava que alguma versão das principais reformas seria aprovada, não há muita confiança nesse prognóstico agora. Que parlamentar irá capitanear reformas impopulares patrocinadas por um Presidente cuja popularidade não para de despencar, cuja revelação dos áudios do dono da JBS trouxe ainda mais indignação sobre a sua continuidade no cargo? A janela de oportunidade para aprovar as reformas se fecha em setembro deste ano, já que no ano que vem temos eleições.
Além disso, a economia que havia demonstrado algum sinal de melhora no primeiro trimestre (provavelmente com crescimento em torno de 1%) sofre um choque no momento em que ainda está frágil. Os 14 milhões de desempregados não só vão ter que esperar mais para trabalhar, como provavelmente ganharão mais companhia. Além disso, o investimento deve seguir no território negativo e os planos de expansão devem ser postergados. Ninguém sabe como será o desfecho e aversão ao risco tomará conta das expectativas. Se para resolver os problemas da infraestrutura havia um “chamado” para maior protagonismo do capital privado, ficará difícil convencer alguém a investir no país.
O Brasil pode ter mais um ano de contração no PIB, o terceiro seguido (o quarto de queda do PIB per capita), algo inédito até onde se possui aferição estatística. Contração do crédito e exposição à variação cambial podem amplificar os problemas.
Eleiçõs? Se sim, de que tipo?
Qual seria a melhor saída? Neste momento, eu realmente acredito que o mais honesto que qualquer analista poderia dizer é: NÃO SEI. Por um lado, há quem argumente que as eleições diretas poderiam instaurar algum tipo de coesão social ao devolver para o povo a escolha do seu representante. Mas com pouco tempo para articulação partidária, sem debate e desenvolvimento de propostas e consolidação de candidaturas, há o risco de que o Brasil emule a eleição de 1989, dando destaque para outsiders e a pulverização dos votos poderia dar espaço para aventureiros de plantão. Afinal, quem tem saudades do Plano Collor?
Do outro lado, as eleições indiretas seriam realizadas por um Congresso no qual um terço da Câmara e dois terços do Senado estão em algum pedido de inquérito aberto pelo Procurador Geral da República, sem contar o envolvimento em processos eleitorais e de outras esferas jurídicas. O medo do que pode ser a Lava Jato pode influenciar a escolha do(a) novo(a) Presidente. Será arriscado demais deixar a decisão para o desacreditado (e descreditado) Congresso brasileiro?
O termómetro da crise
O dia de amanhã (domingo, 21/05) servirá como um bom termómetro sobre os próximos desdobramentos. Se a população ganhar as ruas com força, os partidos não terão como ignorar. Mas se a adesão for menor do que os protestos para saída da Presidente Dilma Rousseff, é possível que não pese tanto. As ruas podem dar a tônica da resistência da base aliada. Com a ‘não renúncia’, Temer ganhou ao menos o fim de semana e, com ele, a possibilidade de outros dias adicionais. As futuras revelações (difícil imaginar que não tenha mais novidade pela frente) também serão componente fundamental para mobilizar políticos e a população.
Existe ainda a possibilidade de Temer não sair. E dela, dois possíveis desdobramentos. No primeiro, Michel Temer contorna essa situação e se mantém forte no cargo, um cenário pouco provável, mas não impossível. Alternativamente, poderia manter-se, mas fraco. A ingovernabilidade seria caótica e aguentar até 2018 seria doloroso demais para todos. O problema é que quanto mais tempo Temer permanecer no cargo, mais pode se enfraquecer e perder poder de barganha na escolha de seu sucessor.
O desfecho rápido é o menos custoso para a sociedade. Mas não adianta só ser rápido, tem que ser o que gere a menor perda de bem-estar social possível (no curto e no longo prazo), que não machuque tanto a economia, que não gere tanto desemprego. A política monetária que vinha acomodando a atividade econômica com cortes na taxa de juros pode ter que rever a intensidade da empreitada expansionista, dado que o espaço proporcionado pela inflação pode se esgotar se a fuga de recursos depreciar muito (e muito rápido) a taxa de câmbio. Sem a política monetária e com o imbróglio fiscal no qual o país se encontra, será difícil acomodar os eventos recessivos.
Caso a arquitetura da saída da crise política consiga convencer os agentes de que o cenário não é de caos, os preços dos ativos devem ser corrigidos, a volatilidade diminuirá e a política monetária poderá seguir o seu rumo (quem sabe, até mais expansionista do que era previsto). O momento pede calma. Num país já polarizado, com os ânimos “à flor da pele” e tentando sair de uma depressão econômica, a radicalização só fará mal.
Não podemos esquecer que existe um arcabouço de possibilidades previstas na Constituição Federal e nas leis que são regidas pela mesma. A sociedade civil deveria articular-se para um debate (e não embate) sério e profundo sobre o que está acontecendo. Ouvir o outro não deveria ser tão custoso, mas é incrível como parece ser uma prática já esquecida em tempos que todo mundo se acha economista, cientista político e até engenheiro aeronáutico com “textões” no Facebook (afinal, cai um avião e não falta quem comente sobre o conteúdo da caixa preta). Mais debates e menos embates, é assim que a gente sai da crise.
O Autor escreve em português do Brasil