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Segunda-feira, Setembro 16, 2024

Drogas

Ana Pinto-Coelho
Ana Pinto-Coelho
Aconselhamento em dependências químicas e comportamentais, Investigadora Adiction Counselling

As manifestações de ansiedade acompanham o Homem desde o início da sua existência (Roriz, 2011). Trata-se de um fenómeno que não é só humano, acontece também noutros animais (Santos, 2006).

Sentida e manifestada no corpo, tem uma função essencial para a protecção e prevenção da espécie, pois é através dos estados de ansiedade que o nosso corpo indica haver alguma espécie de perigo, externo ou interno, que nos ameaça.

A isto, e anos depois, foi chamado de “stress”, sendo este distinguido da ansiedade (ver artigo da semana passada).

Existem outras formas patológicas, como o pânico ou as fobias, que se podem desenvolver perante determinadas situações e ter como consequência o uso de substâncias psico-activas. Entende-se, geralmente, por “psico-activo”, substâncias que modificam o estado de consciência, humor ou sentimentos de quem as usa – modificações essas que podem variar desde um estímulo leve (por exemplo, uma chávena de chá preto ou café), até alterações mais intensas, na percepção do tempo, do espaço ou do próprio corpo como os que podem ser causados por alucinogénios vegetais, como a ayauhasca (também chama ” a droga do espírito” e sobre a qual irei escrever especificamente noutro artigo), ou sintéticas, como o ecstasy, ou destiladas – como o álcool (Simões, 2008).

Vê-se que o leque de substâncias que podem alterar o estado de consciência é amplo, assim como os seus efeitos variam tanto na forma quanto na intensidade em que são experimentadas (dependedo até de pessoa para pessoa).

O uso de substâncias psico-activas – vulgo drogas – não é recente, sendo que praticamente todas as culturas e civilizações têm na sua história, usos e costumes, a utilização de alguma droga, seja ela associada a rituais religiosos, à tradição ou ao uso recreativo. É por isso que a forma como são consumidas, aceites ou não socialmente, variam de cultura para cultura.

Na nossa sociedade temos o álcool, que é utilizado em diversos contextos e de forma absolutamente legal. Em certos e determinados grupos sociais chega a ser extremamente valorizado, mesmo que os seus efeitos nocivos, a longo prazo, possam ser muito piores do que algumas substâncias ilegais e rejeitadas socialmente. Mesmo assim, alguém consegue imaginar algum acontecimento desportivo ou festivo em Portugal que não envolva o uso do álcool?

Desta forma, a questão do uso de drogas por si não abarca toda a complexidade do tema. Mas quando se fala de abuso de substâncias e em dependência química, entramos em questões que ultrapassam a esfera cultural e envolvem a saúde e o bem estar psico-social.

Assim, continuando com o exemplo do álcool, uma coisa é uma pessoa tomar um copo de vinho num evento ou porque simplesmente lhe apetece, outra é aquela pessoa que só consegue parar de beber quando o seu corpo entra quase em coma alcoólico ou o atira a dormir para uma cama – com sorte…! – causando inúmeros danos a si próprio, quer a nível físico, quer social e piorando sempre, sempre, ao longo do tempo. Nada é assim, no princípio do uso.

A dependência química é considerada um transtorno psiquiátrico e pode ser definida como uma relação patológica entre uma pessoa e uma substância psico-activa (Silva, em Et alchool, 2009), “levando a comprometimento ou sofrimento clinicamente significativo” (DSM-IV, 2005).

Entre as suas principais características ou manifestações encontram-se, em primeiro lugar, a indução de tolerância: é a necessidade de aumento progressivo da quantidade da substância para se obter o efeito desejado, ou a redução do efeito com o uso prolongado da mesma substância.

Sexo, Drogas e Rock n Roll - Ere Saw
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No início, uma dose pequena satisfaz quem a usa, mas com o tempo passa a consumir doses cada vez maiores para obter o mesmo efeito, sendo extremamente perigoso no caso de drogas cujo uso em excesso causa intoxicação e pode levar à morte, como álcool, cocaína e heroína.

Temos depois o síndroma de abstinência, que se refere a um conjunto de sintomas desagradáveis que decorrem da falta fisiológica que a substância causa no organismo, sendo necessária a utilização de uma nova dose para aliviar ou evitar os sintomas da abstinência. (Luiz Stacechen, 2013).

No uso do álcool, o que geralmente é referido como “ressaca”, é um exemplo claro dos efeitos da abstinência: tremores, suores, dor de cabeça, sede, etc. Sendo que “beber um copo” ou “usar uma” no dia seguinte é a formal normal que o alcoólico encontra para acabar com esses efeitos – no mínimo desagradáveis – da ressaca.

Em terceiro, temos a questão do descontrole ou desgoverno: a situação em que a pessoa não consegue, obviamente, parar de utilizar a substância ou reduzir o consumo (mesmo que o possa fazer durante um determinado período de tempo, acaba sempre por voltar), existindo sempre o desejo persistente de procurar a droga, assim como passará a utilizar parte considerável do seu tempo para conseguir obter a substância. Mais uma vez, no caso do álcool e da nossa cultura, é mais fácil de obter do que outra droga, evidentemente.

Finalmente e em quarto lugar temos os prejuízos psico-sociais decorrentes dos abusos. Desde sintomas físicos, como úlceras, problemas neurológicos e o comprometimento de diversos órgãos vitais. Também o mesmo se passa em relação às actividades sociais, que podem gradualmente vir a ser abandonadas, trabalho – cada vez mais em esforço até que acaba por ser quase impossível realizá-lo – , as relações familiares e pessoais a começarem a ser conflituosas, levando muitas vezes o indivíduo a situações marginais, como o abandono e isolamento social.

Para além de tudo isto, o uso e abuso de susbstâncias pode levar ao desenvolvimento de outros transtornos psíquicos. O facto das substâncias causarem uma série de modificações psíquicas graves no estado da consciência e do humor de quem as usa, pode trazer além de efeitos de prazer (euforia, bem-estar momentâneo, sensações de plenitude e grandeza) algumas manifestações sintomáticas como a ansiedade, mau estar, humor e depressão maior.

Pode parecer estranho, mas se reler este artigo e subtraír a palavra “substâncias” e “danos físicos”, em tudo o problema é igual, se for visto do ponto de vista de comportamentos adictivos: internet, jogo, sexo compulsivo, compras, comida, entre outros.

Sem mais nem porquê, atente-se na campanha que uma marca de cerveja tem neste momento “no ar”, e entenda-se a sua gravidade ao querer associar este tipo de substância, continuadamente, à juventude e à amizade. E outra, sempre presente em jogos de futebol…

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