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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Exploratório Ciência-Viva de Coimbra. Respostas claras, por favor.

J. Norberto Pires
J. Norberto Pires
Professor da Universidade de Coimbra, área de Robótica e Engenheiro

O Exploratório Centro Ciência Viva de Coimbra é um equipamento de formação e divulgação científica e educativa que foi desenvolvido desde há 22 anos por uma equipa que teve o Professor Vitor Gil e a Professora Helena Caldeira Martins na linha da frente.

Criaram um centro único durante estes 22 anos de existência, obtiveram financiamento para os edifícios e equipamentos e foram a alma, o coração e a cabeça de um equipamento que tem o objectivo duplo de fazer o ensino não-formal das ciências e contribuir de forma decisiva para o despertar de vocações científicas.

São dois objetivos essenciais num país como Portugal e, em particular, numa cidade como Coimbra. Para além de todos os efeitos na actividade científica, na atracção de pessoas para a investigação científica, reforçando o papel do país na produção de conhecimento, os centros de ciência têm um efeito muito importante de criação de uma consciência crítica, rigorosa e informada que é essencial para uma sociedade livre e descomplexada, que tem de ser capaz de tirar partido daquilo que é capaz de desenvolver.

Ciência e democracia

Por exemplo, falar de política e de atitude cívica rigorosa e comprometida é uma das grandes contribuições que a ciência pode dar à democracia. As pessoas esquecem-se das suas obrigações. E demitem-se delas. Não avaliar, não querer saber, fazer de conta, ir em conversa fiada, não exigir, não responsabilizar, é, em democracia, uma atitude muito perigosa. Porque permite o engano.

Em democracia há momentos para avaliar. Esses momentos são as eleições e a necessária participação na vida do país. E isso não é só um direito. É essencialmente um dever! E é perigoso falhar nesse dever. Não vale a pena depois andar a apontar dedos. Se uns mentiram e enganaram, outros permitiram, outros não quiseram saber, outros não se informaram, outros foram em “clubismos“, outros… na verdade, o resultado é que falhamos todos colectivamente. Claro que com vários níveis de responsabilidade, claro que com vários graus de entendimento sobre a realidade, mas Portugal somos nós todos.

Fazer perguntas e obter respostas claras não é um direito, é um dever de todos nós. Ceder nesse dever é um dos actos mais perigosos em democracia.

Como dizia Francisco Sá Carneiro:

Cabe-nos cada vez mais dinamizar as pessoas para viverem a sua liberdade própria, para executarem o seu trabalho pessoal, para agirem concretamente na abolição das desigualdades. Para isso, mais importante que a doutrinação, é levar as pessoas a pensar, a criticar, a discernir.”

The big picture

Se queremos contribuir para um Portugal melhor, a ciência ajuda-nos na adopção de uma atitude interventiva, informada, exigente e inconformada. Faça perguntas e exija respostas claras, como se tivesse seis anos. Queira saber mais, a razão das coisas, leia, investigue e converse com os seus amigos e familiares. Não aceite explicações dúbias ou repletas de coisas técnicas.

A natureza das coisas tem de poder ser explicada de forma simples (sem ser simplista) para que todos entendam. Se não for, então o seu interlocutor não sabe, ou não tem a certeza do que está a dizer. Não fique no curto prazo. Levante a cabeça e olhe à volta. Queira saber como se articulam as coisas, qual é o objectivo a médio e longo-prazo, ou seja, qual é o cenário (the big picture). Se fizer isso, como fazem os cientistas, as suas opções serão melhores, porque terão suporte e terão reflexão. Pode enganar-se, claro, mas a probabilidade é menor e afastou grande parte dos “enganos”. Como dizia Carl Sagan, “O mundo está infestado de demónios” e a ciência é a forma mais eficaz de os combater.

É também por estas razões que os centros de ciência-viva são essenciais. Os seus objectivos vão muito para além da divulgação científica e do despertar de vocações para a ciência. Têm um objectivo cultural e civilizacional muito marcado.

E o Exploratório de Coimbra?

Em 2015, a direcção do Exploratório de Coimbra foi forçada à resignação por motivações políticas inaceitáveis, atirando-se para a praça pública acusações de má gestão: estavamos a falar, na verdade, da total ausência de apoio financeiro por parte da Agência Ciência Viva e da Câmara Municipal durante todo o ano de 2014, até ao momento da demissão da direcção.

Isso constituiu, na verdade, uma forma de chantagem, aparentemente com motivações políticas, que visava, isso mesmo, substituir a direcção em funções por outra considerada da “confiança” da Câmara Municipal e da Agência Ciência Viva.

Essa inaceitável forma de pressão fez com que o Exploratório fosse estrangulado financeiramente pela Câmara e pela Ciência Viva que exigiam a substituição da direcção, apesar de publicamente o desmentirem. Aparentemente, a Universidade de Coimbra também não conseguiu fazer oposição suficiente a essa inaceitável atitude que a todos deveria indignar e envergonhar.

Pessoalmente, fico sempre chocado com certas atitudes que se tomam em Portugal, ao arrepio de tudo o que são princípios e valores: por isso insisto na importância da ciência e da adopção de um espírito científico que é garantia de uma atitude rigorosa, crítica e informada. Considero, assim como considerei na altura, que são inaceitáveis as atitudes que maltratam quem fez bem, quem criou valor, quem contribuiu para a educação, quem dedicou o seu tempo ao serviço da comunidade.

É um dever cívico não permitir que a acção desses servidores públicos seja enlameada por aqueles que, tendo por base interesses mesquinhos, colocam o curto prazo e o dinheiro que o serve acima da dignidade, da honra, do serviço público, dos princípios e dos valores. Que país é este em que vivemos e andamos a construir, no qual aceitamos que seja tudo politizado e partidarizado e se façam estas coisas indignas ferindo o bom nome de quem se entregou à causa pública? Que país é este? Que futuro é este?

Entretanto, passaram mais de 2 anos

Podem-me dizer o que mudou? Qual a razão da destruição de tudo o que existia? Das colecções financiadas por fundos europeus, da oficina que era essencial para construir equipamentos, etc? A quem interessa que o Exploratório de Coimbra seja isto que observamos hoje, reduzido a um mero apêndice de equipamentos centrados em Lisboa? Coimbra tem todas as condições para liderar no ensino não formal das ciências e no despertar de vocações, por que razão insiste em não ser nada disso?

Gostava que me respondessem de forma clara, especialmente as pessoas que tão grosseiramente diziam, e ainda dizem, que salvaram o Exploratório: O que é que andaram a fazer? Que resultados têm para apresentar? Como os comparam com os do passado recente?

Utilizemos aqui o método científico e sejamos capazes de dizer o que foi feito desde 1992, altura em que se criou na Universidade de Coimbra o Centro de Iniciação Científica, uma unidade já extinta mas que foi o embrião do atual Exploratório, até hoje, colocando em perspectiva a acção e resultados daqueles que estiveram à frente do Exploratório. É isso que nos ensina a ciência: a observar, a ver com olhos de ver (“saper vedere”, como dizia Leonardo da Vinci), a avaliar e a ser justo e factual.

Faço minhas as palavras do Frei Fernando Ventura num entrevista à SIC em 2010:

Temos sentados no poder gente peneirenta, da esquerda à direita. Continuamos atavicamente e estupidamente a pensar em critérios políticos de direita e de esquerda. Isto já não existe. Está podre. Acabem com isso. É ridículo. É folclore. Não temos dinheiro para pagar folclore”.

Quem tem medo de mostrar resultados e ser avaliado?

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