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Segunda-feira, Março 18, 2024

Formosa, mas não segura

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.
  1. O oásis chinês da liberdade sob fogo

Parafraseando Camões no seu poema lírico sobre Leonor, bem podemos dizer que a ilha que os navegadores portugueses baptizaram de ‘Formosa’ continua a sê-lo, mas tal como Leonor, não vai segura.

De todos os países que conheço, Taiwan é porventura aquele de pergaminhos liberais e democráticos mais sólidos e cujo exemplo seria mais interessante ter em conta, no contexto asiático ou mundial.

Para além de livre e democrático, a Formosa é um país desenvolvido e humanista. Não ameaça invadir nem desestabiliza ninguém, a sua projecção externa é, como eu pude apreciar em São Tomé e Príncipe, exemplar, e poderia ser tida em conta pela União Europeia.

Na lógica dicotómica de quem foi tido por Mago da diplomacia, o choque entre a China de Mao e a União Soviética de khrushchev teria necessariamente de se traduzir num sim quase incondicional à primeira para assegurar a barragem à segunda.

E não se tratou apenas de Kissinger, porque, por exemplo, em França, a lógica foi a mesma e talvez mesmo mais radical, com o grande académico Simon Leys, testemunho do genocídio das elites chinesas pela revolução cultural, a ter que se exilar para ter emprego após ter ousado escrever sobre o que se passava.

A esse propósito, foi só recentemente que percebi que, contra toda a aparência, foi o inaceitável maoísmo de Sartre a ser protegido pelas elites francesas, enquanto foram os que denunciaram o seu carácter genocidário a ser perseguidos.

E assim o Ocidente sacrificou o lugar de Taiwan nas Nações Unidas à voracidade do totalitarismo, sem sequer cuidar de encontrar soluções aceitáveis no plano dos factos e do direito para a situação delicada então vivida.

Recentemente, o Presidente Biden, por ocasião da cimeira do Quad – Austrália, Índia, Japão e Estados Unidos – proclamou publicamente a intenção de garantir a defesa de Taiwan perante a ameaça chinesa, apenas para ser publicamente desmentido pelo seu Ministério dos Negócios Estrangeiros (cujo responsável no sistema americano, realce-se, é de nomeação presidencial) e para, semanas depois, desaconselhar publicamente a presidente do Congresso de visitar a ilha, para não indispor as autoridades de Beijing. Deu assim simultaneamente a ideia de não saber o que diz (justificando assim que o aparelho de Estado americano o corrija como se o Presidente fosse seu subordinado) e pontapeou o princípio da separação de poderes.

  1. Pelosi na Formosa

Se em Abril, a presença em Taiwan de uma delegação de seis congressistas americanos – maioritariamente republicanos, mas incluindo também Bob Menendez, o presidente da Comissão dos Negócios Estrangeiros no Senado que é democrata – não tinha levantado especial emoção, a recente visita de Nanci Pelosi foi precedida de uma enorme salva de críticas não só da imprensa apaziguadora (e jornais como o New York Times têm um interminável currículo de apaziguamento de ditadores, sejam eles nazis, comunistas ou islamistas) mas também do ‘deep state’, coro a que se juntou, como vimos, o Presidente do país.

A esse propósito, a imprensa portuguesa copia, aumenta e passa mesmo a fronteira do ridículo na sua submissão a Beijing. A edição electrónica do Expresso titula: ‘Taiwan, China, Estados Unidos – e o risco crescente de uma guerra mundial depois da visita de Pelosi’, ou seja, visitar um país livre e democrático é causar a terceira guerra mundial. A capa da edição impressa do Público vai mais longe ainda: ‘China ensaia operação militar de reunificação com Taiwan’, frase que parece ter sido inspirada no dicionário de Putin para falar sobre a sua agressão europeia.

A histeria dos apaziguadores – muito na senda do que fizeram antes da recente invasão russa – fez com que em vez de se discutir o que deveria ser discutido: como e quando vamos fazer barragem ao imperialismo chinês na região e aposta na defesa da liberdade; se entrasse numa grotesca discussão sobre a irresponsabilidade de transgredir a quarentena imposta a Taiwan, tornando quase como dever da ditadura chinesa responder ao desafio.

Enquanto a estratégia de cerco a Taiwan por parte de Beijing é prosseguida de forma consistente há quase sete décadas, a maior parte dos líderes ocidentais não parecem entender o que representa a capitulação perante as ambições imperiais chinesas.

O cerco militar a Taiwan que se sucedeu à visita de Nanci Pelosi estabeleceu-se assim perante o silêncio de quem deveria entender que se está numa guerra de longa duração, jogada em larga medida na opinião pública.

  1. A Formosa e o Indo-Pacífico

Como disse aqui no Tornado, alguns dias depois da agressão militar russa de 24 de fevereiro, não creio que a China vá repetir os passos da Rússia por três razões essenciais; a psicose covidista que continua presente na China impede uma ocupação militar, a China pretende tomar conta das Nações Unidas e não romper com os seus mais elementares princípios como fez a Rússia e em último lugar crê que vai conseguir conquistar Taiwan sem ter de invadir militarmente, contando para isso, nomeadamente, com os apaziguadores ocidentais.

Posto isto, tal como as absurdas declarações de Biden que deram como inevitável a invasão da Ucrânia foram essenciais para que Putin se lançasse na guerra, todo o presente alarido dos apaziguadores estimula grandemente a lógica expansionista chinesa e propicia as aventuras.

O mandato de Xi tornou claro o que era apenas implícito com os seus antecessores: o seu objectivo é o de dominar o mundo impondo o domínio comunista chinês e a lógica totalitária da ‘correcção social’ que impõe dentro de portas.

A crise mundial desencadeada pela destruição económica e social feita em nome do combate ao vírus é especialmente aguda na China, pela óbvia razão de que é a China que inventou a doutrina e a aplicou de forma mais radical. A queda da actividade económica é grande e com ela a insatisfação popular que, mesmo em ditadura, se faz sentir nas estruturas do partido comunista, que deve entronizar Xi para o seu terceiro mandato em novembro deste ano.

O partido comunista – e isto é válido tanto para a China como para a URSS – não é necessariamente um regime monárquico como foi com Estaline e o é com a dinastia norte-coreana dos Kim. Há normalmente na oligarquia partidária comunista forma de fazer sentir o peso de opiniões ou interesses diferentes, normalmente de forma muito dissimulada.

Para Xi, não é indiferente aparecer como o líder político que destruiu o aparentemente imparável crescimento económico iniciado com Deng Xiao Ping, ou como o líder imperial que se apresta a conquistar a cobiçadíssima Formosa, e por isso, vamos certamente continuar a assistir ao crescimento das provocações armadas e das ameaças aos dirigentes políticos ocidentais nos próximos tempos.

Se queremos evitar o desastre, temos de começar desde já a guerra na opinião pública contra os apaziguadores que se continuam a dominar o poder nos irão levar inevitavelmente à derrocada.

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