Pedro Feliú Ribeiro e Elizabeth Meirelles comentam levantamento do Sipri, segundo o qual o mundo aumentou os gastos militares de 2,2% do PIB dos países em 2019 para 2,4% em 2020.
Durante o ano de 2020, os gastos militares no mundo alcançaram o valor de quase US$ 2 trilhões, valor mais alto desde 1988. Os dados são do Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo (Sipri) e também mostraram que os gastos aconteceram em um ano de pandemia, quando o PIB global reduziu em 3%, segundo uma projeção do Fundo Monetário Internacional.
O professor Pedro Feliú Ribeiro, do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP, comenta que o levantamento consolida uma tendência:
“Nada de novo no front. Gasto militar é importante para várias nações do ponto de vista de defesa e de economia. Estamos muito longe de eliminar a necessidade de Forças Armadas e acabar com a corrida armamentista”.
Segundo dados do Sipri, gastos militares passaram a representar de 2,2% do PIB dos países em 2019 para 2,4% em 2020, segundo uma média global, o que confirma as tendências explicitadas pelo professor Feliú. Ele considera que ocorre, hoje, um impulso nacionalista entre os países que favorece estes gastos, que quando começam, dificilmente encontram justificativa para parar.
Gastos militares: uma questão de história
A professora Elizabeth de Almeida Meirelles, da Faculdade de Direito da USP, conta o histórico por trás da preocupação com gastos militares: “Os gastos militares, a preocupação com a defesa e a possibilidade de ataques é parte de uma tradição que remonta uma realidade ao período de formação dos Estados Nacionais, quase 350 anos atrás. Vemos que até o século 20 nós tínhamos conflitos armados que justificavam essa preocupação dos países com a sua defesa, como a Primeira e a Segunda Guerra Mundial”.
Ela explica que, na atualidade, aparentemente não haveria justificativa para uma corrida armamentista, considerando a intermediação comercial entre os países feita por um sistema muito bem desenvolvido de organizações bilaterais.
“Efetivamente, ao longo da segunda metade do século 20, a preocupação tornou-se de caráter econômico comercial. A competição entre os Estados passou a ser uma competição de caráter comercial e econômico. Ou seja, dentro de uma sociedade urbanizada na visão capitalista, as competições em matéria comercial eram importantes, o que justifica o nascimento de um conjunto de organizações de integração regional e também infraregional. Mas, embora tudo isso ocupe um espaço importante, nada disso reduz a preocupação com a defesa.”
Ela cita o exemplo da Índia que já é conhecida por conflitos interfronteiras.
Os polos da geopolítica
Considerando que Estados Unidos, China, Índia, Rússia e Reino Unido concentraram 62% dos gastos militares globais, abre-se uma discussão sobre quem ocupa os polos geopolíticos no mundo. Mas é preciso lembrar que, para isso, também é preciso considerar fatores de ordem e influência econômica e cultural dos países.
Nesse contexto, ganha destaque o embate entre Estados Unidos e China. Ambos aumentaram seus gastos militares em 2020, mas a China se destaca, pois não somente o seu PIB foi um dos únicos a crescer no ano passado como também ela alcançou a marca de 26º ano consecutivo ampliando esse tipo de gasto.
Para o professor Feliú, que cita a expansão de bases militares chinesas pelo mundo, “essa tendência revela que a China quer balancear o poder americano. É quase como se eu pudesse dizer que a China entrou na corrida armamentista. Se ela vai chegar lá em um sistema bipolar como era a União Soviética e os Estados Unidos, ainda tem um pouco de chão para percorrer, mas há uma intenção de contrabalancear”.
“Não sei se os americanos vão se sentir ameaçados o suficiente para atacar antes de serem atacados. Acredito que não porque há interdependência muito grande entre EUA e China. Os presidentes norte-americanos tentam diminuir essa interdependência econômica.
Gastos no ano de pandemia
À primeira vista, ver um aumento de gastos militares em um ano que exigiu recursos massivos no combate ao coronavírus pode surpreender. Mas é importante lembrar que muitos países, para implementar políticas de lockdown, acionaram as Forças Armadas. O que, segundo especialistas, pode ter influência nos resultados do Sipri.
O professor Feliú destaca outra “modalidade” de gasto:
“Tem a parte tecnológica também. Temos a clássica frase de que todas as invenções do século 20 vieram da área militar, do automóvel, passando pelo avião e pela internet. Você tem também setores das Forças Armadas desses países avançados, que também gastam em tecnologia. São gastos para a defesa, mas que podem ter um efeito econômico”.
“Sem dúvida nenhuma, os gastos militares são responsáveis pelo sustento, pela manutenção de várias empresas, de pesquisas em laboratórios, de centros de estudo de empresas privadas e até públicas”, complementa a professora Elizabeth, citando que, quando um país investe mais no desenvolvimento de armas, por exemplo, é comum que se crie um clima propício para que gastos com defesa aumentem.
Edição de entrevista à Rádio USP | Texto em português do Brasil
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