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Segunda-feira, Março 18, 2024

Governo pretende facilitar a evasão e fraude fiscal das empresas?

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

A quebra brutal do poder de compra das remunerações líquidas dos trabalhadores da Função Pública entre 2011/023, a perda de poder de compra das remunerações dos trabalhadores do Setor Privado e o Governo pretende facilitar a evasão e fraude fiscal das empresas

Neste estudo, utilizando as remunerações médias de jan.2023 dos trabalhadores da Função Pública divulgadas pela DGAEP, dados oficiais, calculo a perda de poder de compra destes trabalhadores entre 2011 e 2023. Os médicos a perda já atinge -23,1%; professores: -22%; oficiais de justiça: -17,4%; Técnicos superiores: -19,8%; Pessoal de investigação cientifica: – 35%. Isto, associado à incompetência de membros do governo, está destruir a Administração Pública. Também cálculo a perda de poder de compra dos trabalhadores do setor privado, utilizando dados do INE, entre 2015 e 2023. E termino referindo a forma como o atual governo pretende facilitar o aumento da evasão e fraude fiscal pelas empresas e depois, para compensar, aumenta os impostos sobre os trabalhadores e pensionistas.

 

Estudo

A quebra brutal do poder de compra das remunerações líquidas dos trabalhadores da Função Pública entre 2011/023, a perda de poder de compra das remunerações dos trabalhadores do Setor Privado e o Governo pretende facilitar a evasão e fraude fiscal das empresas

Comecemos pela Administração Pública em que os trabalhadores continuam a perder poder de compra, pois as suas remunerações líquidas reais em 2023 são muito inferiores às de 2011 como vamos provar.

 

A QUEBRA BRUTAL DO PODER DOS TRABALHADORES DAS ADMINISTRAÇÕES PÚBLICAS ENTRE 2011 E 2023

No quadro 1, estão as remunerações médias ilíquidas ou brutas, ou seja, antes dos descontos (IRS, CGA/Segurança Social e ADSE) dos trabalhadores da Função Pública de 2023 divulgados pela Direção Geral da Administração e Emprego Publico (DGAEP) já este ano e também as de 2011. Com base nelas calcularam-se as remunerações líquidas (após se terem feitos os descontos) dos trabalhadores das Administrações Públicas (Central, Local e Regional) de2011 e 2023. Depois, deduziu-se às remunerações líquidas de 2023, o aumento de preços registado entre 2011 e 2023, utilizando para isso, de 2011 a 2022 dados do INE, e considerando-se uma inflação de 5,5% em 2023, (apesar de com um modelo estatístico ter obtido uma inflação de 6%, que deve ser acrescentada à inflação de 7,8% em 2022). E comparou-se os valores obtidos que estão na penúltima à direita do quadro com as remunerações líquidas de 2011, e assim obteve-se a perda de poder das remunerações líquidas dos trabalhadores das Administrações Públicas por categoria profissional em 2023 (última coluna à direita do quadro).

Quadro 1 – Variação das remunerações médias base mensais ilíquidas (antes dos descontos) e líquidas (após os descontos) e do poder de compra das remunerações líquidas dos trabalhadores das Administrações Públicas entre 2011 e 2021

Os dados do quadro 1 revelam que, entre 2011 e 2023 (incluiu-se já o aumento de 1% anunciado só agora pelo governo), a perda de poder das remunerações médias líquidas dos trabalhadores das Administrações Públicas é de -14,6%. Mas existem categorias profissionais em que a perda é muito maior. Por ex., os dirigentes sofrem uma perda que varia entre -17,7% e -23,9%; os Técnicos superiores (licenciados) -19,8%; os Assistentes Técnicos (12º ano) -18%; os Informáticos -17,9%; o Pessoal de Investigação cientifica -35%; os professores (educadores de infância, ensino básico e secundário) -22%; os médicos -23,1%; os oficiais de justiça a perda é -17,4%; etc. O quadro 1 também revela que as remunerações líquidas médias, ou seja, aquelas que os trabalhadores recebem após descontarem o IRS, para a CGA ou Segurança Social e ADSE, são muito baixas. Em média apenas 1109€ para todas as Administrações Públicas; a dos Técnicos superiores 1185€; dos Informáticos 1239€; dos Professores do ensino básico e secundário 1353€; dos médicos 1669€; dos oficiais de justiça 1067€; etc. etc. É evidente que com estas remunerações é praticamente impossível contratar trabalhadores com qualificações e competências elevadas em categorias profissionais fundamentais: técnicos superiores, informáticos, professores, médicos, oficiais de justiça, etc. Se juntarmos o sistema burocrático e longo de contratação da administração publica, que leva a que muitos concursos nem cheguem ao fim, agravado pela incapacidade/incompetência de muitos membros do atual governo, que levam meses para fazer um simples despacho ou que se recusam a fazer. Algum exs.

Está parado, desde out.2022 no gabinete da Secretária de Estado do Orçamento que tutela a ADSE, a transferência do Algarve para Lisboa de um médico, apesar da ADSE estar sem diretor do Departamento de Consultoria Clínica desde julho de 2022 devido à recusa desta Secretária de Estado de fazer um simples um despacho, o que tem tido consequências graves para a ADSE. Mas este não é caso único. Há inúmeras situações que só avançam porque a lei dispõe a aprovação tácita ao fim de 45 dias. Comportamento semelhante se verifica por parte da Secretária de Estado da Administração Pública que também tutela a ADSE. Ao fim de duas reuniões com o Conselho Diretivo da ADSE após ter assumido funções, e perante a incapacidade para tomar decisões sobre questões da sua competência, para não ser confrontada com a sua incapacidade, decidiu nunca mais fazer reuniões com a direção da ADSE. É o puro boicote do governo com consequências graves para a ADSE pois torna a gestão um verdadeiro calvário com consequências graves para os beneficiários (ex.: o aumento significativo do atraso dos reembolsos aos beneficiários no Regime Livre que está a acontecer). É fácil assim compreender a profunda degradação e desorganização em que está mergulhada a Administração Pública, incapaz de responder com eficiência e rapidez aos desafios atuais, de que é ex. também os atrasos enormes e a perda de milhares de milhões € devido à escalada de preços associada aos atrasos nos programas com financiamento comunitário (“Portugal 2020”, “PRR” e “Portugal 2030”). A solução encontrada para os atrasos do “Portugal 2020”, que devia ter terminado com todos os adiamentos em 2023, o que não for finalizado até ao fim deste ano terá de ser pago com fundos nacionais ou com fundos do “Portugal 2030”, dá bem uma ideia dos elevados custos para o Pais e para os portugueses da incapacidade do governo e das empresas para utilizar os fundos europeus dentro dos prazos estabelecidos. Mas nada se faz (governo, Assembleia da República e Presidente da República) para alterar esta situação que se repete com todos os Planos financiados pela União Europeia.

 

A PERDA DE PODER DE COMPRA DAS REMUNERAÇÕES LÍQUIDAS DOS TRABALHADORES DO SETOR PRIVADO ENTRE 2015 E 2023

Também as remunerações dos trabalhadores do setor privado têm vindo a perder poder de compra nos últimos anos. Dados publicados pelo INE referentes a remunerações médias brutas calculados com base nos salários declarados à segurança social desde 2015, permitem determinar a remuneração média líquida e calcular a perda do poder de compra desta, ou seja, daquela que o trabalhador recebe no fim do mês, e com a qual ele e a sua família têm de viver. Os resultados obtidos encontram-se no quadro 2.

Quadro 2 – Variação do poder de compra da remuneração média líquida dos trabalhadores do setor privado 2015/2023

Como revela o INE, no 1º trim.2023, a remuneração média líquida dos trabalhadores (a que recebem no fim de cada mês, após ter sido deduzido o desconto para a Segurança Social e o IRS, e com a qual ele e a sua família têm de viver), era apenas 1073,8€. Um valor também muito baixo. Se deduzirmos a este valor, o aumento de preços estimado entre 2015 e 2023, ele reduz-se para apenas 908,7€ a preços de 2015, que é inferior à remuneração media líquida de 2015 (967,3€) em -6,1%. É este precisamente o poder de compra que esta remuneração líquida perdeu entre 2015 e 2023, estimada com base em dados do INE.

 

O GOVERNO PRETENDE FACILITAR A EVASÃO E FRAUDE FISCAL DAS EMPRESAS POIS PRETENDE QUE DEIXE DE SER OBRIGATÓRIO QUE AS CONTAS APRESENTADAS AO FISCO SEJAM TAMBÉM ASSINADAS PELO CONTABILISTA

Apesar da evasão e fraude fiscal das empresas ser já muito elevado em Portugal fazendo o Estado perder muitas centenas de milhões de receitas, o governo pretende criar condições para que aumente. Assim, “cozinhou” um projeto de decreto-lei, ignorando o que tinha acordado com a Ordem dos Contabilistas como informa em comunicada a respetiva bastonária, em que é revogado a alínea c) do art.º 10º do Estatuto da Ordem dos Contabilistas, que dispunha que os contabilistas eram obrigados a assinar também as “demonstrações financeiras e declarações fiscais das empresas”, ficando também responsáveis pela sua veracidade. Ao eliminar esta obrigatoriedade, fica mais facilitada a manipulação dos resultados apresentados para pagar os impostos. E a Administração Fiscal não tem capacidade para controlar as contabilidades e os resultados apresentados por todas as empresas. Para compensar a perda aumenta-se os impostos sobre trabalhadores e pensionistas.


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