O metro na Reboleira faz de Marta uma mulher feliz, subúrbio perto, agora sim, menos de dez minutos ao Colombo, roupa da Primark para a Catarina, gasta-se muito, os sapatos então, é o que dá os miúdos.
Antes, pior: a camioneta levava quase duas horas do Vale Abraão até ao Marquês, Marta ainda na Autónoma, à noite regressava e fazia com a mão os contornos dos candeeiros, como se desenhasse uma linha de luz que ia fazendo ondas na janela.
Marta melhor, agora, ela e Catarina a dez minutos do Colombo, Catarina na escola, ela com avental de uma padaria portuguesa. Leva a filha ao pai aos fins de semana descasados, mas o Carlos pede sempre para a receber sábado depois de almoço e que a vá buscar domingo antes das três, que tem futebóis com a malta e Marta vai e Marta cumpre e Marta outro dia espantou-se com um rapaz no balcão da padaria, que nem lhe deu um piropo estúpido nem a cortejou à velho, foi só “olá”.
A estação da Reboleira e o “Olá”, já não se fazem ondas no metro, a Catarina daqui nada no sétimo, ela a ver as madeixas a esbranquiçar mas contente com isso, um dia, um dia, eles dizem que vai tudo melhorar, o Carlos nem sabe o que perdeu quando disse, ela grávida de quatro meses, “vou-me embora, não te suporto mais e não estou preparado para ser pai” e no dia seguinte o Sócrates anunciava a bancarrota, com a Samanta ao lado, ou quem era, Marta sabe lá.
“Olá”, bastou, e quando voltou a pedir o croissant misto ela imaginava-o a beber café, mas foi tília, ela abriu muito os olhos e nessa noite viveu num castelo, foi buscar os álbuns do Hopper e do Klimt e imaginou-se em Edimburgo pelas fotos, a Catarina a dormir numa nuvem, a seguir à Reboleira a estação era uma arcada e lojas da Via Veneto.
Há duas semanas telefonou ao Carlos a dizer que se ia mudar com o António para uma casa que estão a recuperar ao pé de Santiago. De Compostela. Se ele quiser ver a Catarina que se mexa. António já planta as tílias e a menina entra no ano que vem em Salamanca (já viu o sapo na cabeça da caveira).
Marta leva um tailleur quando conduz os peregrinos. Mas em casa tem uns calções bestiais, com um padrão que é a linha de metro. António adora-os.