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Sexta-feira, Setembro 13, 2024

Hitchcock/Truffaut, um filme de Kent Jones

José M. Bastos
José M. Bastos
Crítico de cinema

Uma aula de cinema. Oitenta minutos de prazer cinéfilo. Imprescindível.

*****

Truffaut – da marginalidade à cinefilia militante

Com uma infância atribulada (nasceu em Fevereiro de 1932) – filho de um pai que nunca conheceu, rejeitado pela mãe e criado pelos avós maternos – François Truffaut terá visto o primeiro filme, “Paradis Perdu” de Abel Gance, aos sete anos de idade. Começava aí a paixão pelo cinema (uma arte na altura com pouco mais de quarenta anos de existência) que o acompanharia até ao fim dos seus dias, em 1984. A adolescência, vivida em parte num reformatório, foi repartida pela marginalidade e por uma cinefilia crescente. Faltava às aulas para ir ver filmes e ao mesmo tempo que fazia pequenos furtos fundava um cineclube… A sua primeira longa-metragem, “Les Quatrecents Coups”/Os Quatrocentos Golpes (1959), filme seminal da “Nouvelle Vague”, e estreia do actor Jean-Peierre Léaud, virá a ser o retrato dessa fase da sua vida.

O relacionamento com outro cineclubista mais velho, André Bazin, que se tornaria seu tutor e viria a ser, em 1951, um dos fundadores dos “Cahiers du Cinèma” marcou decisivamente o seu futuro. Em 1953, Truffaut está nos “Cahiers” a escrever crítica de cinema ao lado de Claude Chabrol, Jean-Luc Godard, Erich Rohmer e Jacques Rivette. Ao longo de seis anos escreverá quase duzentos artigos, críticas e entrevistas (com Jean Renoir, Max Ophuls e Roberto Rosselini, por exemplo). Principal defensor do conceito da “política dos autores” (e, implícitamente, do “cinema de autor”) que defende que cabe ao realizador e não ao produtor a definição final da obra, Truffaut vê em Alfred Hitchcock, na época mal amado pela crítica norte-americana mas já reconhecido na Europa, o principal expoente daquela política, no outro lado do Atlântico. Em 1955 entrevista-o pela primeira vez.

Do histórico encontro de 1962 ao livro “Le Cinéma selon Hitchcock”

Em 1962, Truffaut decide fazer algo de maior envergadura. Com 30 anos de idade, já é um cineasta. Nesse ano faz “Jules e Jim” e “Antoine et Collette”/O Amor aos vinte anos (antes tinha feito “Disparem sobre o pianista”). Hitchcock é um mestre com 63 anos e uma vasta carreira no cinema. Truffaut pede nova conversa a Hitchcock mas vai visitá-lo a Los Angeles. Fica lá durante uma semana e a estadia redunda em 27 horas de entrevista que virá a estar na origem de um livro histórico que marcará gerações de realizadores e cinéfilos: ‘Le Cinéma selon Hitchcock’, editado em 1966.

Finalmente o filme

Só que a entrevista também foi fotografada, por Philip Halsman, e, depois de perdidos durante décadas, os negativos foram encontrados em 1993 numa arrecadação da antiga produtora de Truffaut, Les Films du Carrosse. Em 1999 deram origem a uma série radiofónica. Finalmente, em 2015, Kent Jones, crítico e programador norte-americano, director do Festival de Nova Iorque utilizou esse material para realizar um documentário. Serge Toubiana, ex-director da Cinemateca Francesa, colaborou na elaboração do guião que inclui depoimentos de vários cineastas conhecidos pela sua cinefilia: Scorsese, Bogdanovich, Schrader, Linklater…

E assim chegamos a “Hitchcock/Truffaut” um filme poderoso e arrebatador, um manifesto de amor ao cinema, pelo menos para aqueles para quem um filme é muito mais do que um intervalo na ida às compras num qualquer centro comercial.

Com a intérprete Helen Scott de permeio – recorde-se que Truffaut não falava inglês e Hitchcock não falava francês-, “Hitchcock/Truffaut” mostra-nos dois homens que fumam numa sala e falam. Falam de cinema. Da fotografia e da mise-en-scène, do argumento e da direcção de actores, da iluminação e da montagem, enfim, de tudo o que constitui um filme. Tal como no passado aconteceu com o livro, o documentário que agora está à nossa disposição é, por certo, uma grande fonte de conhecimento. Um filme que vale por muitas aulas sobre cinema. Obrigatório para todos os que amam o que se convencionou chamar de “sétima arte”.

Nota: A nossa avaliação de * a *****

Ficha Técnica

Título: Hitchcock/Truffaut
Realização: Kent Jones
Guião: Kent Jones e Serge Toubiana
Participação de: Alfred Hitchcock, François Truffaut, Helen Scott, David Fincher, Martin Scorsese, Wes Anderson, Richard Linklater, Paul Schrader, James Gray, Arnaud Desplechin, Peter Bogdanovich, Olivier Assayas
Produção: Cohen Media Group / Arte
Produção: Cohen Media Gr
Género: Documental
País: EUA / França
Duração: 80 minutos
Ano: 2015

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