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Sexta-feira, Novembro 8, 2024

Lama tóxica da Vale espalha doenças e agrava tragédia em Brumadinho

Os moradores de Brumadinho e região, em Minas Gerais, continuam a sofrer com a tragédia da Vale, iniciada em 25 de janeiro, com o rompimento de uma barragem da mina Córrego do Feijão. O mar de lama que se formou, potencialmente rico em metais pesados perigosos à saúde, já começa a oferecer riscos à saúde dos moradores na região.

Rejeitos de mineração são resultado do processo de separar o minério de ferro bruto de impurezas sem valor. É essa sobra que contém restos de minério, sílica e derivados de amônia. A Vale afirma que a lama não é tóxica. Mas especialistas garantem que há danos ambientais graves, como a contaminação do solo e da água por minério fino proveniente da sobra dos rejeitos.

A extensão do impacto ainda é difícil de ser medida. As primeiras medições, feitas no domingo (3) pela Fundação SOS Mata Atlântica, surpreenderam: desde o “marco zero” da tragédia, em Brumadinho, até a hidrelétrica de Três Marias, em Felixlândia, o rio Paraopeba pode ser considerado morto.

“Mesmo os que não tiveram contato com a lama poderão se contaminar por meio do consumo de água que esteve em contato com a lama e, ainda, pela inalação da poeira gerada pela grande área exposta com essa lama”, adverte a química Claudia Carvalhinho Windmoller, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que coordenou uma das primeiras pesquisas sobre a contaminação após o desastre de Mariana.

A composição dos rejeitos ainda não foi divulgada pela Secretaria de Saúde de Minas Gerais. Mas, segundo Claudia, a lama de Brumadinho deve ser semelhante à que inundou o distrito de Bento Rodrigues em 2015. “Estamos falando de uma lama possivelmente fonte de metais como ferro, alumínio e manganês em quantidades muito grandes, além de metais mais tóxicos, em menor quantidade, como cromo, chumbo, arsênio e níquel”, explica a química.

Em nota, a Secretaria de Saúde orientou a população a não consumir alimentos que tiveram contato com a lama, nem mesmo os que estavam embalados e enlatados, e não ingerir água ou comer peixes do rio Paraopeba, assim como não nadar ou pescar no rio. O texto esclarece que quem apresentar sintomas como vômitos, coceira, tontura e diarreia após entrar em contato com a lama ou com alimentos contaminados deve procurar imediatamente uma unidade de saúde.

“É preciso lembrar também que os animais da região possivelmente foram contaminados e ajudarão que as doenças se espalhem para a população”, completa Claudia. No mesmo sentido, a Fundação Oswaldo Cruz diz haver a possibilidade imediata de surtos de doenças infecciosas, como dengue, febre amarela e esquistossomose, além de mudanças no bioma e agravamento de problemas crônicos de saúde, como hipertensão, diabetes e doenças mentais (depressão e ansiedade, por exemplo). 

Possíveis enfermidades

Se confirmadas as semelhanças entre os rejeitos das barragens de Fundão e do Córrego do Feijão, Claudia diz já ser possível prever as doenças que devem acometer a região de Brumadinho, uma vez que existem muitos estudos sobre os atingidos em Mariana. Com base nesse e outros estudos que vêm sendo desenvolvidos desde 2016, espera-se, para este momento, riscos de doenças de pele, infecções, febre amarela, dengue e leishmaniose.

O maior risco à saúde da população de Brumadinho, contudo, poderá não ser percebido agora, mas com o tempo: a exposição prolongada a metais pesados leva a uma acumulação desses elementos no organismo dos seres vivos. “A ingestão contínua de água ou alimentos contaminados com os metais pesados, assim como a irrigação do solo com água do rio Paraopeba, levará a uma exposição prolongada, o que provocará várias doenças, entre elas neurológicas e câncer”, adverte Claudia. “O mesmo pode acontecer no caso da inalação da poeira por tempos prolongados.”

A ingestão contínua de água ou alimentos contaminados com os metais pesados, assim como a irrigação do solo com água do rio Paraopeba, levará a uma exposição prolongada, o que provocará várias doenças, entre elas neurológicas e câncer”.

Contaminações por metais pesados podem levar ao desenvolvimento de alguns tipos de câncer, como o de pele e o pulmonar. O arsênio, por exemplo, é capaz de atingir os sistemas respiratório, cardiovascular e nervoso, levando ao desenvolvimento de tosse crônica e até insuficiência pulmonar. O chumbo pode afetar funções da memória e do aprendizado, ocasionando tremor muscular, alucinações e perda da capacidade de concentração. Já o mercúrio se acumula, principalmente, nos sistemas digestivo e reprodutor, levando a perdas das funções nesses sistemas.

Sobre doenças autoimunes, a contaminação por metais pesados pode estar relacionada com a esclerose múltipla. No que diz respeito a doenças neurológicas, a ingestão prolongada por alumínio, por exemplo, pode levar ao desenvolvimento de Alzheimer.

Em 2016, o Instituto Saúde e Sustentabilidade realizou uma pesquisa chamada “Avaliação dos riscos em saúde da população afetada pelo desastre de Mariana”. Resultados mostraram que 60% das crianças de até 13 anos da região atingida pela barragem de Fundão, da Samarco, apresentavam alergias de pele e doenças respiratórias. Entre os adultos, os problemas respiratórios foram relatados em 40% dos entrevistados. Também foram registrados transtornos mentais e comportamentais (11%), doenças infecciosas (6,8%) e doenças de olho (6,3%). Entre os sintomas relatados, os mais comuns foram ansiedade e dor de cabeça. 

Segundo relatório do Ibama de 2015, as áreas afetadas pelo desastre de Mariana estavam mais propensas à reprodução de vetores de doenças como dengue, chikungunya, zika vírus, esquistossomose, chagas, leishmaniose e problemas com animais peçonhentos. De fato, dois meses após o rompimento da barragem, localidades próximas apresentaram surtos de dengue. No distrito de Barra Longa, a 60 quilômetros do local do acidente, casos de dengue aumentaram em 3.000% um ano e meio após o desastre em Mariana.

Desde 2017, o governo federal passou a admitir que o rompimento da barragem da Samarco em 2015 pode ter relação com o surto de febre amarela vivido pelo sudeste brasileiro entre 2016 e 2018, que deixou pelo menos 650 mortos no período. A barragem da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, rompeu em pleno verão, época de maior risco de transmissão de febre amarela, chikungunya, zika vírus e dengue.

“Minha maior preocupação em Brumadinho, no que diz respeito às doenças infecciosas, é com a dengue, principalmente nesse período do ano, com as chuvas. A água não pode se acumular e ficar parada ali, em garrafas, tampinhas, demais lixo e casas abandonadas. A situação se agrava porque não terá como fazermos a profilaxia da dengue – a que fazemos nos quintais das casas – naquela lama contaminada”, diz o vice-presidente regional da Sociedade Brasileira de Imunizações, em Minas Gerais, José Geraldo Leite Ribeiro. 

Para minimizar os efeitos a longo prazo, será preciso retirar os rejeitos vazados na região, evitando a exposição continuada, seja pela contaminação do solo, das águas ou por meio na inalação da poeira, afirma, Claudia. “As autoridades devem cobrar dos responsáveis pelo desastre a retirada da lama, pelo menos de locais estratégicos que podem impactar mais a saúde humana e o meio ambiente”, apela a professora. Segundo ela, outra medida essencial, tanto para a população quanto para o meio ambiente, é a realização de monitoramentos periódicos.


Texto em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV (com informações do Deutsche Welle) / Tornado


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