Andamos esquecidos do que é a diversidade e parece que as escolhas são dolorosas e a diferença perigosa. A liberdade está em risco, sem que nos calhe a sorte de pensar sequer sobre isso.
Tudo É Sem Alternativa (TESA), que é a tradução livre de TINA (There Is No Alternative), acrónimo ideológico que se foi estabelecendo Europa fora.
Há dias um articulista do Expresso disse na televisão horrores sobre o Alentejo. O povo reagiu, incluindo-me. Mas depois começaram os exageros, com petições para que o livro de Henrique Raposo, o articulista, fosse proibido.
O lançamento mudou de lugar e até haverá polícia à porta, não leve o moço com um sobreiro. A liberdade é deixar Raposo dizer asneiras. Não é querer cativar-lhe o livro ou chegar-lhe a roupa ao pelo.
Ontem, a McDonalds, apoiada pelo governo, deu cabo dos menus infantis diferenciados para rapazes e raparigas.
A empresa “normaliza” assim a brincadeira, para assustador aplauso de quem não percebe que isto é menos escolha e branqueamento de diferenciadores naturais que não respondem ao fundo da questão: o marialvismo não se combate no cheesburguer. Serve apenas para mascarar.
A tendência é exagerada na unificação e na transversalidade do medo da diferença. Há anos a Juventude Socialista espetou pelo país um cartaz com a foto de duas meninas a beijar-se, com o slogan “Somos Iguais a Ti”. Não são, mas eu nem me preocupo nem me chateio por isso.
Fico feliz. E é por sermos iguais mas não a mesma coisa (all equal but not the same) que precisamos de respeitar as diferenças. Saber viver em liberdade é respeitar tudo o que da sociedade emana.
A limitação das opções só acontece quando não respeitamos a liberdade e a diversidade – e nos falta um comportamento esclarecido.
O problema está em que, presumivelmente, o esclarecimento devia ser transversal e não é.
Quem pensa que é melhor igualar tudo é porque acaba por relativizar tudo. Tudo tem de ser normalizado para que seja igual. A consciência de que há uma diferença, qualitativa, assusta quem não convive bem com a diversidade.
Ora, na sociedade aberta é o diverso que compõe o todo.
Como a diferenciação só pode ser feita em relação a valores absolutos, até estes começam a estar em causa numa comunidade que quer homogeneizar.
Quem saberá se a liberdade é mais importante que o machismo se a liberdade não for o valor absoluto?
O machismo, identificado e compreendido, por despeito ao valor absoluto da liberdade, será combatido. Mas se mascaramos o machismo com paleativos, este infiltra-se através do politicamente anódino e torna-se valor relativo, arrastando a igualdade e a liberdade para o mesmo patamar.
Tomar tudo como relativo permite, assim, a entrada da sociedade na maionese rançosa do medo. Qualquer voz que se levante será condenada porque tudo se deve aceitar com o mesmo valor.
Uma vez aceite que podem e devem existir diferenças qualitativas, mas que estas têm peneira nos mutáveis valores absolutos, então sim podemos começar a propôr a dialética de cada ideia, nova ou velha, validando-a ou não.
Estes mutáveis valores absolutos estão em contraposição à TESA, que agrilhoa os contrastes para não ofender ninguém. Um paradoxo interessantíssimo, uma vez que parece defender absolutos mas, pelo contrário, deixa-nos no caminho dos uniformes.
É que seria preferível acabar com o Dia Internacional da Mulher em vez de acabar com os menus para menino ou menina.
Ou criar o dia do Homem. Bem sei que é ridículo o que digo, mas a caricatura serve para o efeito. Era imperativo que o livro de Raposo não vendesse nada, em vez de ser proibido.
Isso seriam demonstrações de valores sociais, e mesmo assim só para alguns, contestáveis e sempre em cima da mutação progressista necessária.
Queixam-se os cidadãos que não há lideranças fortes. Não podem existir. Quando temos medo de tudo, quando tudo nos é servido com a obrigatoriedade do bom comportamento, sendo este sempre em postura relativista e positivista radical, vai-se o idealismo e a imaginação. Acaba-se a diferença e a aceitação do sonho, da mudança, da pedra.
Todos, mas todos, os valores da sociedade são mutáveis e devem mudar. A tese hegeliana é urgente e necessária. Mas quem tem medo da antítese e branqueia à partida uma tese acantona-se em vez de se amotinar. Claro que há condicionantes sociais do comportamento humano, claro que há desigualdade de género, claro que há gente com jeeps que nunca foi ao campo, claro que ainda há idiotas, claro que ainda há machismo, claro que há desigualdade, inequidade, exploração humana, desrespeitos ecológicos. Mas não será por tornar tudo branco que estes monstros desaparecem.
É aqui que, parece, estamos. Na ditadura do bom senso acéfalo.
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