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Quinta-feira, Abril 18, 2024

Maududi, fundador do jihadismo moderno

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

O South Asia Democratic Forum (SDAF) publicou um novo “policy brief” sobre a ameaça global que representa o “Jamaat-e-Islami” (JeI), o ramo Bangladeshi da rede da “Irmandade Muçulmana”, texto no qual se analisa a estrutura ideológica da doutrina do seu fundador, Maulala Ala Maududi.

Em meados da década de 1970, as elites ocidentais deram-se conta que algo de preocupante se estava a desenvolver em nome do Islão – o artigo de referência da autoria de Bernard Lewis, “O Retorno do Islão”, é de 1976 – e dataram a origem do fenómeno na criação no Egipto, em 1928, da “Irmandade Muçulmana” (IM).

A fanática nova ideologia “Jihadista” (o neologismo parece ter sido criado no Paquistão em fins de 1900s) foi desenvolvida por uma complexa rede Islamista, compreendendo tanto Sunitas como Xiitas. Maududi é, a meu ver, o ideólogo chave do movimento.

Bernard Lewis, assim como os seus seguidores que estudaram o fanatismo político desenvolvido em nome do Islão, subestimaram tanto a amplitude do fenómeno no subcontinente Indiano como a influência da IM no percurso tomado pelos clérigos Iranianos que tomaram o poder em 1979.

A leitura da “Jihad no Islão” da autoria de Maududi leva-nos inevitavelmente a recordar o “Manifesto do Partido Comunista”: unem-nos o ritmo, as certezas revolucionárias e o objectivo de destruição total da ordem mundial vigente; a distinção entre fiéis, apoiantes incertos e claros inimigos; talvez acima de tudo, unem-nos o tom messiânico.

A literatura especializada confirma que Maududi estudou Marx e textos marxistas em paralelo com os seus estudos islâmicos. Embora o autor abominasse o socialismo em qualquer modalidade, a ideologia desenvolvida – revolucionária, global, totalitária e apenas nominalmente inspirada nos antigos textos corânicos – reproduz a máquina feita para conquistar o poder concebida pelos comunistas.

Alguns excertos do seu livro fundador “Jihad no Islão” (originalmente publicado em 1927) tornam clara a sua lógica.

Para Maududi, o Islão é intrinsecamente revolucionário:

“Na realidade o Islão consiste numa ideologia revolucionária cujo objetivo é alterar a ordem social do mundo inteiro de forma a modelá-la conforme os seus próprios princípios e ideais. ‘Islâmico’ é o nome do Partido Revolucionário Internacional organizado pelo Islão a fim de levar a cabo o seu programa revolucionário. E o termo \”Jihad\” refere-se a essa luta revolucionária e exortação desenvolvidos pelo Partido Islâmico para atingir esse objectivo.”

Ele apela repetidamente à destruição dos governos não Jihadistas pela Jihad:

“O Islão deseja destruir todos os Estados e governos que se oponham ao Islão onde quer que eles existam à face da terra, seja qual for o seu país ou nação. O objectivo do Islão é criar um Estado com base na sua ideologia e programa, e é-lhe indiferente qual a nação que o suportará ou qual a nação a ser destruída no processo de estabelecimento de um Estado ideologicamente Islâmico. O Islão exige todo o globo – não apenas uma sua parte, mas o planeta inteiro – não porque a soberania terrena deva ser retirada a uma nação ou grupo de nações em particular em favor de uma outra nação, mas porque a humanidade inteira deve beneficiar da sua ideologia e programa de bem-estar social, os quais se deveriam chamar simplesmente Islão, pois o Islão é o programa de bem-estar para toda a humanidade.”

O carácter universal da Jihad não deixa espaço para ambiguidades:

“Deve-se ter tornado evidente para quem segue esta discussão que o objetivo da Jihad islâmica é eliminar o governo por um sistema não islâmico e substituí-lo por um sistema islâmico de poder do Estado. O Islão não pretende limitar a sua revolução a apenas um ou a alguns países; o objectivo do Islão é de originar uma revolução universal. Embora nos estádios iniciais seja dever dos membros do partido islâmico levar a cabo revoluções nos sistemas de Estado dos países a que pertençam; o objectivo final nunca poderá ser outro do que o de promover a revolução mundial.”

Esta última frase lembrará certamente aos conhecedores do marxismo o debate entre a teoria Estalinista de “revolução num só país” e a necessariamente internacionalista estratégia revolucionária de Trotsky. Por outro lado, uma das marcas mais claras de Maududi na moldagem da nação paquistanesa é o uso generalizado da terminologia ideológica na Constituição paquistanesa claramente inspirado no entendimento marxista do termo (marxista, mas diferente do entendimento original de Karl Marx).

Contrariamente aos estereótipos utópicos como a “República” de Platão, a “Cidade de Deus” de Sto. Agostinho ou a “Utopia” de Thomas Moore, o comunismo de Marx não pretende o retorno a um passado mítico idealizado. Ele ambiciona antes criar um igualmente mítico futuro baseado não em tradições antigas mas em análise científica (contudo, as fantasias de um “comunismo primitivo” propostas por Engels tinham de facto tentado responder à necessidade de imaginar um passado mítico tradicional das utopias).

O comunismo de Marx é neste ponto uma excepção que desafia a regra. A utopia de Maududi segue o esquema geral de recriação de um passado idealizado, embora siga a lógica revolucionária, global e totalitária do marxismo.

A principal diferença entre Marx e Maududi é portanto muito óbvia: Marx e os seus seguidores queriam escrever novas e radicalmente diferentes páginas na história da humanidade; Maududi pretende estar apenas a levar à prática o que foi escrito e revelado mais de mil anos atrás.

Mais ainda, sendo verdade que Marx inspirou Lenine, Estaline e Mao – apenas para citar os seus mais famosos seguidores – ele também inspirou a social-democracia e uma vasta gama de “companheiros de viagem” que não podem ser equacionados da mesma forma que os seguidores acima citados.

Também no percurso pessoal Marx e Maududi são completamente diferentes. Marx nunca liderou nenhum movimento revolucionário (o seu papel nos movimentos revolucionários de 1848 ou na comuna de Paris foi insignificante); o mesmo não é o caso de Maududi. Este presidiu o JeI durante o genocídio do Bangladesh, até hoje o pior crime contra a humanidade cometido pelo Jihadismo.

A Jihad de que nos fala Maududi e os seus seguidores é muito diferente da Jihad do passado. Aqueles que olham para o Islão como uma religião intrinsecamente guerreira, em contraste com outras, e vêm essa tradição guerreira como a raiz do Jihadismo moderno, estão a seguir a visão do Jihadismo de Maududi, como credo revolucionário, político e universal como uma característica chave do Islão, todo o “Islão” não-Jihadista sendo necessariamente não-islâmico.

Um segundo ponto de vista, embora não reduza o Islão ao Jihadismo, considera correntes particularmente beligerantes e extremistas (tais como o Wahabismo ou o Deobandismo) como a causa do problema. Ambas as correntes, e várias outras tanto no sunismo como no xiismo, são na verdade violentas e extremistas, e as estratégias jihadistas podem na verdade chamar a si essas tradições e alimentar-se dos seus feitos históricos. No entanto, essas velhas correntes extremistas não devem ser confundidas com o Jihadismo tal como o conhecemos hoje. A descrição do Jihadismo como fundamentalismo, integrismo, islamismo ou salafismo falha também o aspecto central da questão.

Tradução livre pelo autor do original publicado no New Delhi Times de 6 de Março
As opiniões expressas nos artigos de Opinião apenas vinculam os respectivos autores.

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