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Sexta-feira, Abril 19, 2024

Errar. É muito feminino

Eduardo Águaboa
Eduardo Águaboa
Escritor, Ensaísta, Comentador político especializado em ideias gerais

chapeu-azul-errar-e-muito-femininoSentou-se, pediu um chá de gengibre e começou a ler um livro, porque faltava meia hora para aquilo que ela sabia.

Trajava de azul e de um modo tão simples que lograva dissimular a impecabilidade de estilo e corte. Um pequenino chapéu ocultava parcialmente o rosto que, como tudo o resto, irradiava uma beleza serena e natural.

Havia-se dirigido ali, sempre no mesmo local, nos quatro dias anteriores, e existia uma pessoa que já não o ignorava.

O homem que não a ignorava, embora vestisse deploravelmente, acercava-se sempre à mesma hora, oferecendo-lhe sacrifícios mentais no altar das possibilidades.

Tanta era a sua piedade que nesse dia foi recompensada porquanto, ao voltar uma página, o livro deslizou das mãos da jovem e estatelou-se no chão a um passo de distância da mesa.

Recolhendo-o com uma avidez instantânea, o homem apanhou-o e restituiu-o à proprietária.

Em seguida, em tom prazenteiro, arriscou um comentário sobre o tempo – tema inesgotável e responsável pelas maiores calamidades mundiais – perguntando de seguida se se podia sentar na cadeira vaga, após o que se conservou imóvel por um momento, aguardando a sentença.

– Pode sentar-se, se quiser. Não me incomoda e de resto já baixaram a tonalidade das luzes, o que se torna insuficiente para continuar a ler e, na verdade, apetece-me conversar.

– Sabe que é a rapariga mais assombrosamente formosa que conheci? Tenho reparado em si nestes dias todos… não haverá, minha querida, quem viva deslumbrado por esse par de faróis que possui na metade setentrional da carinha?

A resposta surgiu em inflexão glacial:

– Para já, devo adverti-lo que sou uma rapariga absolutamente respeitável. Deve ter interpretado mal as minhas vindas sozinha a este bar, se é que isto é um bar. Desculpo as suas palavras insensatas porque são, sem dúvida, naturais dos meios que frequenta. Permiti-lhe que se sentasse ao meu lado, mas SE a autorização me transformou em «sua querida» considere-a revogada!

E foi-se.

O rapaz que apenas gosta de ser generoso com as palavras que pronuncia, resignou-se, embora tenha considerado que ela errara na análise das mesmas, logo, não as merecera.

E que errar é humano, consolou-se.
E muito feminino! – consolou-se ainda mais.

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