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Sexta-feira, Abril 19, 2024

O mundo e a teoria política do Bolinha

Mendo Henriques
Mendo Henriques
Professor na Universidade Católica Portuguesa
Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Católica Portuguesa
Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Católica Portuguesa

O mundo político desembocou no nível da banda desenhada. Os EUA têm no Donald Trump  um personagem típico da Marvel. Na Inglaterra, como se não bastasse o país já estar dividido, temos um governo conservador com uma perna de cada lado do Brexit.

Em França, tem um presidente que só faz gaffes, tendo por oposição a Miss França da Frente Nacional  com contas no Panamá. Em Espanha, após cinco meses de impasse pós-eleitoral,  vão para eleições  que deverão repetir o resultado.

No Brasil, vão substituir uma presidente que permitiu a corrupção por um um vice-presidente que é corrupto. No Banco Central Europeu, um pateta da Goldman Sachs enterra o que resta do projecto europeu em toneladas de notas de euro. No Médio Oriente, temos doidos à solta que baste.

O sistema financeiro internacional é uma verdadeira anedota, ou não fosse feito para enriquecer 1% da população  mundial a expensas dos restantes 99%. A Coreia do Norte vai para o quinto ensaio nuclear; e há lá coisa mais surreal do que eliminar a humanidade como quem apaga um desenho com borracha?

É aqui que entra a teoria política do Bolinha, que muito li em miúdo na versão brasileira de John Stanley. Ele é aquele garoto gordinho que preside ao Clube dos Meninos de que fazem parte o Carequinha, o Juca e o  Zeca. O clube tem como principal lema “Menina não entra”. Já diz muito.

O Bolinha é um caso psicanalítico: deseja ser apreciado, mas nunca pelo que ele é, e busca aprovação tentando ser outro, fugindo às origens. Mas, é claro, nunca consegue. Essa total inautenticidade faz dele uma boa imagem do Europeu atual, chorão, comilão e rezingão.

O seu inimigo principal é a “Turma da zona norte”, uma mistura de garotos talibãs, Daesh e sauditas que se entretém a dar pancada, e que em vez de dinheiro e petróleo, têm músculo e muita força, pelo que sovam a turma do Bolinha, caso a Luluzinha não aparecer.

clube do bolinhaE depois vem a teoria da conspiração. No mundo das percepções políticas, como no nível da BD. Entra o Bolinha detective a procurar coisas desaparecidas da casa da Luluzinha. Antes de começar a investigação, disfarçado de Aranha – “O Aranha ataca novamente” – declara solenemente que a culpa é do “seu Jorge”, o pai de Luluzinha.

Fantástico. Ter já a resposta antes do inquérito. É como nas redes sociais. E não é que, invariavelmente o culpado é o “seu Jorge”, embora por outros motivos do que as congeminações malucas do Bolinha, sobretudo interessado em atacar o frigorífico da casa?

A Luluzinha. Inteligente e teimosa. A classe feminina emergente, criada por uma mulher. Muito mais esperta que o amigo Bolinha e a sua turma. Mas ela gosta do Bolinha.

Quando não está a brincar ou a lutar com os garotos, Luluzinha toma chá e conta histórias à Aninhas e ao Alvinho. São histórias cheias de moral em que ela é a heroína, a “pobre menininha”. Sem dúvida que a Luluzinha é a América, que chega na hora certa para salvar o Bolinha.

Nas estórias, ela tem que ganhar duramente a vida, apesar das bruxas. Como é muito esperta, vence a dupla de bruxas Alcéia e sua sobrinha Meméia que se quer aproveitar da “Pobre menininha” mas que não são assim tão espertas, tipo presidente da Rússia e presidente da China.

E a “Pobre Menininha” ganha sempre no final. O problema é que o Alvinho nunca entende a moral da história. E é preciso recomeçar a Guerra Fria.

Não esquecer o Plínio, o George Soros da série, que se considera bom demais para andar com a turma do Bolinha, apesar de estar sempre no meio. Às vezes, namora a Glória, outras vezes a Luluzinha e em ambos os casos torna-se inimigo do Bolinha que também gosta de ambas.

A vida é dura nas revistas de BD. Por vezes, o Plínio tenta entrar no clube do Bolinha, mas nunca consegue.

O mundo visto pelo Bolinha é como a espiral recessiva do prof. Cavaco. Quanto mais o Bolinha se sente ameaçado por falsos amigos, inimigos, pais e autoridades, pior fica. E quanto pior fica, mais inimigos pressente.

É um anti-herói – como o Charlie Brown de Schulz ou o “Pica-Pau” também de John Stanley. Simpatizar com ele é fácil. Mas o Bolinha é o seu pior inimigo, e o ego excessivo é a sua perdição. Como nos políticos.

Eu sou um admirador da BD, da escola franco-belga, da Dell, da Marvel e até comprei pela primeira vez a Visão, só para ter o suplemento gratuito. Mas cada macaco no seu galho.

Num mundo que desceu ao patamar da banda desenhada, são poucos os estadistas e personalidades que trazem consigo a gravidade da vida; são poucos os que lutam a contra aquelas coisas com que não se brinca – a morte, a exclusão, a miséria, a violência, a corrupção.

São muito poucos. Esses não cabem nas tiras de BD nem para eles serve a teoria política do Bolinha. Mas afinal, quem lhes presta atenção?

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