É Natal. Há um menino preso, depois de tentar fazer explodir um local público na Alemanha, com uma bomba de pregos, isto é, de fabrico caseiro mas de eficácia mortal confirmada; contam-se as crianças mortas na Síria e no Iraque; há crianças que passam fome em Portugal. Neste Natal não há crianças. Nem vergonha que chegue para nos redimir. As missões de paz individuais são insuficientes. As oficiais estão longe de mudar o mundo.
Celebra-se o Natal
Festa de contornos religiosos – é convencional e sabido que assinala o alegado nascimento do palestiniano Jesus Cristo, ocorrido há mais ou menos dois mil anos – o Natal celebra-se um pouco por todo o mundo. É uma festa pagã – com elementos pagãos, a começar pela data e pelos motivos decorativos – que os cristãos preservam e outras convicções de índole religiosa respeitam, aceitando ora o Cristo redentor, ora o Cristo Messias, ainda o Cristo profeta e finalmente alguém que contagiou um quinto da Humanidade que vê na Sua figura a idealização do Salvador.
É, ao mesmo tempo, uma data de promoção da paz e da concórdia, da perseguição de utopias e idealizações de um mundo melhor, onde a sensibilidade e a afetividade ocupem o lugar central. Seria a festa do Amor se as religiões não o tivessem moralizado. É, em seu lugar, uma festa do possível: as pessoas que têm, mesmo pouco, tentam partilhar-se. As prendas que oferecemos são prendas da consciência – ou da sua ausência. Conscientemente damos alguma coisa que melhore a vida do próximo a torne mais suave; inconscientemente somos habitantes dos nossos hábitos e fazemos orgias comerciais em nome de uma festa desvalorizada. Depois há os outros: os que não dão porque não podem. E os outros: os que não recebem, simplesmente porque ninguém quer que isso aconteça.
Um menino de doze anos tentou fazer explodir uma bomba
Um menino de doze anos, filho de iraquianos, tentou explodir com uma bomba no mercado de Natal de Ludwigshafen, na Alemanha. A polícia local terá confirmado à imprensa que teria sido mais uma ação representativa dos objetivos do Daesh, mais uma manifestação dos assassinos que procuram, a partir do médio oriente, levar o terror ao mundo. O alegado suspeito tem 12 anos e é germano-iraquiano. Um porta-voz da procuradoria federal de Frankenthal, Stefan Biehl, afirmou que “foi aberta uma investigação após a descoberta de uma bomba de pregos (transportada numa mochila) em Ludwigshafen. O menino, está num centro de detenção de jovens.
Em Alepo as principais vítimas são as crianças
Enquanto isso, chega-nos de Alepo, as poucas notícias credíveis são significativas: os geradores dos últimos hospitais em funcionamento em Alepo, pararam. As principais vítimas são crianças. Contam-se cada vez mais cadáveres e os mutilados crescem em número à medida que o tempo passa. Alepo é uma ruína material e moral. Os corredores criados para a fuga não funcionam – são atacados pelos rebeldes. Os grupos armados, no terreno, são instrumentalizados por todas as forças que os dominam.
Para quem ainda não sabe, Alepo é uma cidade localizada no nordeste da Síria, perto da fronteira com a Turquia. Já foi uma bela cidade, exemplar. O país, por sua vez, faz fronteira com o Líbano a oeste, com a Turquia, no norte, e com o Iraque a leste. A sul fica a Jordânia e a sudoeste Israel. Alepo é a capital de uma província com o mesmo nome e que, antes da guerra civil ter começado, era a maior cidade do país, com 2,3 milhões de habitantes. A guerra já matou mais de meio milhão de pessoas e desalojou pelo menos doze milhões (mais de metade da população total do país antes da Guerra).
E em Portugal há crianças com fome
“Algumas das condições que vi são deploráveis” diz a Relatora da ONU sobre a habitação em Portugal. Leilani Farha esteve em Portugal a avaliar o impacto da crise na habitação. Esteve em Lisboa, Porto e arredores das duas cidades. “Estou surpreendida? Talvez não. Estou destroçada? Absolutamente. Acho que tem solução? Facilmente”, disse ela. Aqueles que geriram o País em tempo de crise saíram impunes. Ainda hoje saem à rua quando deviam estar no banco dos réus. Ao saírem à rua, fazem-no com sobranceria, são irónicos e parecem imunes ao julgamento que deviam tê-los como alvo. Traíram o seu povo, como todos os fundamentalistas, afinal, o fazem.
Neste Natal, há pessoas no nosso País que desconhecem o conforto. Há casas degradadas, sem água nem luz. E há crianças com fome. As que só comem regularmente nas escolas, esperam a reabertura das mesmas.
Neste Natal não há crianças no mundo. Há uma dor adulta que nos devia envergonhar a todos.