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Domingo, Outubro 6, 2024

Ninguém espera a inquisição espanhola

João Vasco Almeida Em 1930, por exemplo, o Adolfo não era a inquisição espanhola – mas era. O professor de finanças de Coimbra, em 1927, nem sequer era a inquisição, quanto mais espanhol. Antes de ser rei, D. João V não era outra coisa senão um pobre homem sem família, até coroarem a estatueta habitual.

Hoje, a inquisição espanhola é mais esperta. Mostra-se como Trump nos Estados Unidos, como canalhas do Isis, como atados da União Europeia. Disseminou-se em vez de se concentrar num corpo único. Tem tantas faces como as ocasiões e, em vez de malbaratar a marca, toma partido circunstancialmente, evitando dizer qual o programa magnífico, suas propostas ou punições.

Como há lugar para uma certa tolerância ao marialvismo e à cegueira que chega e cega pelo dogma, a sociedade não vê a inquisição espanhola. Considera natural, ainda que de mau gosto e censurável, que 400 pessoas em Bruxelas se ponham a fazer saudações nazis contra uma manifestação pacífica. O máximo que dizem é “este não é o lugar nem o momento”, admitindo que há um lugar e um momento para as manifestações de ódio.

Não há. Não pode haver. Como, aliás, chegámos bem à conclusão que não há lugar para a pedofilia, para o canibalismo, para a pena de morte. Não se trata de limitar a liberdade dos outros, trata-se de tentar chegar a Marte ainda antes do século XX, ou a curar o cancro antes que ele nos cure a nós  – o que se torna difícil com tanto idiota à solta.

inquisiçãoA inquisição espanhola, em vez de perseguir directamente, agora prefere ser uma bactéria que corrói os cérebros. Sem uma população educada, esclarecida, curiosa, aberta, a inquisição espanhola apanha sempre a carruagem dos dogmas e das vergonhas, consegue sempre moralizar o que lhe apetece.

De pouco vale ao Papa Francisco beijar pés de refugiados: os dogmáticos acéfalos que ainda seguem o seu credo, felizmente em pouco número, não perceberão o seu gesto. De pouco serve abrirmos Nisa ao refugiados quando a Polónia fecha fronteiras. De pouco serve bradarmos à paz, se Obama é criticado por ir a Cuba e, logo a seguir, Trump consolida a sua dianteira nas primárias americanas.

A gente precisa rapidamente de pedir à dona Teresa Guilherme que faça um reality-show sobre a curiosidade e a dúvida, em vez de andar a gozar com a malta nova a quem escapou uma boa dose de dúbia vida e não se preocupa muito senão com maminhas, gel de unhas, rabos e músculos.

A inquisição espanhola tem bancadas de gelinho e de romances de cordel, comentadores, sociólogos, discursos gratuitos demagógicos e cabeças dogmáticas. Valha-nos São Dawkins.

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