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Quarta-feira, Março 27, 2024

“No longo prazo estaremos todos mortos”

João Ribeiro
João Ribeiro
Professor universitário, Doutorado em Finanças. Investigador na área de avaliação de activos

ouro

O investimento em ouro, seja na sua forma física ou incorporado em peças de joalharia, é há muitas décadas perspectivado como sendo um investimento seguro, ou seja, um investimento insusceptível de originar perdas para o seu detentor.

Principalmente nas décadas de 60, 70, a aquisição de ouro físico ou de produtos fabricados tendo como base este metal precioso tornou-se um investimento bastante popular tendo, para muitos, proporcionado retornos anualizados muito consideráveis.

Não obstante esta constatação histórica, o ouro é uma ‘comoddity’ (matéria prima) como outra qualquer e o seu valor é determinado, numa base contínua, nos mercados internacionais, variando o seu preço de acordo com uma multiplicidade de factores, sendo a quantidade periodicamente extraída e a intensidade da procura os mais importantes.

A título ilustrativo, atente-se num investidor que tenha investido, em finais de Setembro de 2009, cem mil euros em ouro. Ignorando custos de transação (comissões, taxas, etc.) e eventuais custos de armazenamento, este investidor possuiria, passados dois anos, a quantia de 171.240 euros, sendo o retorno efectivo anual de cerca de 31%.

Mas imaginemos que este mesmo investidor tinha investido a mesma quantia em finais de Setembro de 2012 e, por qualquer necessidade, liquidado o seu investimento exatamente dois anos depois: dos cem mil euros investidos, só possuiria 90.832 euros, correspondendo uma rendibilidade anualizada de quase menos 5%.

Como se pode constatar, este investidor perdeu mais de nove mil euros do capital inicialmente investido.

Investir em ouro é ou não arriscado?

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Uma outra questão, muito pertinente, prende-se com a constatação histórica de que o valor do ouro possui uma correlação negativa com os activos financeiros de risco (como é o caso das acções).

De facto, quando os mercados financeiros iniciam trajectórias de baixa, a tendência é para o ouro se apreciar, correspondendo assim a um aumento da procura do metal pelos investidores que, retirando a sua liquidez dos mercados de capitais, adquirem ouro físico ou, em alguns casos, adquirem acções de empresas que se dedicam á extração e posterior comercialização de ouro.

Assiste-se, assim, a uma tendência de procura deste metal por parte daqueles que, descontentes com as rendibilidades obtidas no mercado acionista – e/ou com as expectativas que formulam quanto a rendibilidades futuras – deslocam a sua liquidez dos mercados accionistas para esta matéria-prima. Quando os mercados acionistas iniciam trajetórias ascendentes, ocorre o movimento inverso.

Estatísticas

Estatisticamente, essa correlação negativa é espelhada pelo designado coeficiente ‘Beta’ (coeficiente de risco, determinado com base na variabilidade histórica do preço do ouro em confronto com a variabilidade histórica do mercado acionista).

Para que o leitor fique com uma ideia, o coeficiente de correlação da rendibilidade das acções da empresa ‘Randgold Resources Limited’ (umas das maiores empresas de extração de ouro) com o mercado acionista é, atualmente, de – 0,31. Tal significa, por exemplo, que quando o mercado acionista desce 10%, é expectável que o preço das acções desta empresa suba 3,1%.

Alguns Investidores institucionais – ou apenas investidores mais sofisticados – alocam parte do dinheiro que gerem adquirindo acções de empresas de extração de ouro ou outros produtos financeiros (como os designados Exchange Trade Funds) como meio de protegerem a sua carteira de investimentos contra eventuais descidas acentuadas nos mercados acionistas.

O ouro funciona assim como instrumento de cobertura de risco (‘hedging’), uma espécie de seguro que indemniza, pelo menos parcialmente, os investidores por perdas em que efetivamente incorreram em movimentos de baixa pronunciada do mercado acionista.

Com base na leitura do gráfico em cima, o leitor pode sempre argumentar que, para prazos muito longos, o ouro tenderá a subir de preço. Talvez (e digo talvez) tenha razão mas, como dizia Keynes, “no longo prazo estaremos todos mortos”.

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