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Sábado, Outubro 5, 2024

Nova visão dos países emergentes

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Até à crise financeira de 2008 falava-se apenas de “países emergentes” que eram vistos como possíveis novos mercados dinâmicos e locais competitivos para a terceirização; isto enquanto se incentivavam as empresas ocidentais, incluindo as PME, a reorganizarem-se em torno desse novo mundo emergente, tido como a nova locomotiva da economia global.

Mas desde a crise financeira de 2008-2011, com o lançamento em 2009 dos BRICS e a sua expansão para África em 2011, e mais claramente desde a crise da Covid-19, o mundo entrou em estado em convulsão.

O “Sul Global” que, entretanto, emergiu, é mais conflituoso com o Ocidente (de que é claro exemplo a oposição do G7 aos BRICS no seio do G20), mais nacionalista e protector, é globalista (Sul “global”), mas por uma globalização económica “moderada” – no sentido soberanista, de deixar aos estados um importante papel regulador discricionário na gestão dos fluxos de bens e capitais –, como é preconizado pelo economista Dani Rodrik.

Perante os dados prospectivos para 2024, publicados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em Janeiro deste ano, que, devido à resiliência maior do que a esperada na economia norte-americana e a vários grandes mercados emergentes e economias em desenvolvimento, bem como apoio fiscal na China, estimam um crescimento de 3,1% (0,2% acima da perspectiva apresentada três meses antes) para o ano em curso e de 3,2% para o ano seguinte, revela-se inequívoco o sentimento de recuperação do poder do Sul Global e explicam em grande parte porque é que o mundo emergente parece mais sólido e atraente que nunca, agora que o PIB – calculado com base nas taxas de paridade do poder de compra (PPC) das moedas – dos chamados países “avançados”, ou seja, o mundo ocidental mais o Japão, caiu de 61 para 37% do total, uma queda relativa de 24 pontos que corresponde exactamente ao ganho registado pelo mundo em desenvolvimento.

Esta inversão, alcançada em apenas duas gerações, representa uma redução de quase metade do peso dos países ricos e o inverso para os seus concorrentes do Sul e demonstra claramente que estes têm agora peso significativo nos principais equilíbrios económicos do mundo, mesmo que isso esteja muito longe de ser o caso em áreas tão cruciais como o da moeda e das finanças globais, o do comércio mundial ou, finalmente, o das tecnologias de ponta, que são precisamente as áreas onde agora também estão a tentar marcar posição.

Observado em termos continentais, o peso da Ásia em desenvolvimento aumentou de 9% para 36% do PIB global, um ganho de 27 pontos que ultrapassa o ganho total do mundo em desenvolvimento; só a China ganhou 17 pontos, aos quais podemos acrescentar os 6 pontos da Índia, contrabalançando a queda da América Latina, cujo peso relativo no PIB global cai de 12% para 7%. Outros perdedores foram a Europa Oriental e Mediterrânica (incluindo a Turquia), que perde 2 pontos e cai para 7% do PIB mundial e o Médio Oriente e a Ásia Central, considerados em conjunto devido ao peso dos hidrocarbonetos nas suas economias, que também diminuíram ligeiramente de 9% para 8% do PIB global.

Por último, o continente africano manteve os seus cerca de apenas 3% do PIB mundial, apesar de a sua população ter mais do que duplicado durante este período, o que ilustra claramente o drama de um continente sob forte pressão demográfica, que se traduz na multiplicação de crises políticas em quase todo o lado, da Etiópia ao Sudão, passando pelo Congo, pelo Sahel e até pelo Senegal.

Dito isto importa referir a distorção nestes resultados introduzida pelo peso excessivo dos gigantes China e Índia, que sozinhos representam quase 40% da população mundial, mesmo sabendo-se que, isoladamente, nenhum deles tem muito peso contra os países do Norte e que a sua rivalidade está em crescendo e a tornar-se sistémica, factos que os levam a procurar o apoio do resto do mundo em desenvolvimento.

Toda esta dinâmica ajuda a compreender melhor a convulsão em curso na cena económica e geopolítica internacional, onde os países emergentes ou em desenvolvimento já não querem ser simples peões no tabuleiro de xadrez de uma divisão internacional do trabalho, gizada para exclusivo benefício dos países ricos e sustentada pelas regras do jogo que eles definidas e aplicadas pela OMC (Organização Mundial do Comércio) ou o FMI.

Tradicionalmente divididos, os países em desenvolvimento parecem estar a aproveitar a oportunidade da inversão do equilíbrio de poder, avaliado em termos de peso e dinamismo económico, para se unirem (componente geopolítica) e implementarem um novo estilo de estratégias económicas mais voluntariosas.

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