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Sábado, Dezembro 14, 2024

O âmago da alma do Brasil chora a morte de Gal Costa

Marcos Aurélio Ruy, em São Paulo
Marcos Aurélio Ruy, em São Paulo
Jornalista, assessor do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo

Nesta quarta-feira (9) não dá para gargalhar com as sandices alucinógenas de pessoas vazias, vagando pelas ruas feito zumbis, porque a cultura brasileira perdeu uma de suas principais representantes. Morreu Gal Costa aos 77 anos.

Como uma das maiores cantoras de todos os tempos com sua voz singular e seu jeito único de interpretar valorizando cada nota e cada verso para nos encantar com seu canto, Gal saiu da Bahia para conquistar o Brasil e o mundo.

“A tristeza é senhora”, como canta Caetano Veloso em Desde que o Samba é Samba, as lágrimas correm por essa perda incalculável num momento pelo qual tanto necessitamos de candura, de arte, de poesia para construir uma delicadeza insofismável.

Divino Maravilhoso (1969), de Caetano Veloso e Gilberto Gil

Segundo sua mãe, cedo ela mostrou seu talento musical e ouvia músicas clássicas para apurar seu canto. Se isso deu resultado não se sabe, mas com certeza ela refinou seu ouvido e a parte do cérebro que compreende a música. E com isso, o seu talento ficou mais vigoroso e sua voz ainda ressoa em nossos ouvidos.

Porque são os artistas que renovam as esperanças de um novo mundo, Gal, com a “força estranha” de sua voz, contribuiu para tornar a vida de todo mundo mais serena. Com a certeza de que não existe adversidade insuperável.

Ao lado de Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gilberto Gil, constituiu os Doces Bárbaros, onde os quatro gigantes da MPB brilharam e continuam brilhando em nossas mentes e corações. Sua voz apareceu pela primeira vez no disco de Maria Bethânia em 1965, mas seu primeiro disco solo só foi gravado em 1969.

Paula e Bebeto (1975), de Caetano Veloso e Milton Nascimento

Em 1985, quando a xenofobia não estava tão explícita como agora participou da gravação do movimento Nordeste Já, na esteira de We Are the World para combater a fome no continente africano. Já destacava o abandono que o Nordeste sofreu durante praticamente todo o tempo da República.

Gal Costa fez parte do tropicalismo na crença de que seu canto pudesse transformar o mundo e elevar a vida das pessoas. E ela conseguiu. Além de elevar a patamares altos a música popular brasileira e a valorização de nossa cultura.

Sim. Impossível fugir do jargão de que o país perde uma das maiores vozes do planeta. Ela soube valorizar o seu canto ao mostrar o âmago da alma e a cara do Brasil na música de Cazuza, Nilo Romero e George Israel.

Gal Costa interpretou autores tão diversos, que muitas vezes se igualava ao canto dos próprios autores e até os  superava. E num país acostumado a grandes cantoras, Gal se firmou com uma das melhores de todos os tempos. Agigantou-se com sua voz única ao interpretar cada nota como se não houvesse melodia melhor do que cada canto seu.

Sem medo de ousar, experimentar e assimilar outras culturas, outras formas de arte e de vida e com isso ajudar a construir algo diferente e genuíno, sem medo de ser feliz e de se expor.

Brasil (1988), de Cazuza, George Israel e Nilo Romero

Difícil superar essa perda irreparável, assim como suplantar a burrice agonizante de mentes perturbadas perambulando pelas ruas como almas penadas. Mais do que nunca, necessitamos da voz de Gal Costa para vencermos o medo e calarmos o ódio a toda a forma livre de viver.

Ela viveu a sua arte como poucos. A sua voz se fez firme e forte para calar toda a morte. Resistiu a toda forma de opressão. Cantou livre como somente os pássaros fora de gaiolas podem cantar.

Apresentou aos nossos ouvidos e cérebros não somente uma forma única de cantar, mas nos legou canções de autores já conhecidos e também nos apresentou desconhecidos até então. Viajou em uma variedade de gêneros. Emprestou sua voz para Caetano Veloso e Gilberto Gil, passando por Lupicínio Rodrigues, Dorival Caymmi, Chico Buarque, Milton Nascimento, Cazuza, Luiz Melodia, Ary Barroso, Criolo, Arnaldo Antunes, enfim uma imensidão de grandes compositores.

Índia (1944), de José Asunción Flores e Manuel Ortiz Guerreiro

Então volta e vem cantar outra vez aqui do lado porque o Brasil ama o seu canto a sua voz. O sopro da vida está na voz de Gal Costa, na música, na poesia e em todas as formas de arte, que alimentam os sonhos e a própria vida.


Texto em português do Brasil

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