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João de Sousa

Segunda-feira, Maio 6, 2024

Os custos da guerra

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

A guerra que opõe a Rússia à Ucrânia está a levar a um grande aumento das despesas militares dos intervenientes directos, mas também dos países europeus que, seguindo as orientações dos EUA, têm suportado o esforço de um conflito nas suas fronteiras. De acordo com dados do SIPRI (Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo), as despesas militares globais totais aumentaram 6,8% em 2023, atingindo um novo máximo de 2,4 biliões de dólares, na sequência do aumento de 3,7% em 2022 (ano em que alcançaram os 2,24 biliões de dólares), com as despesas militares na Europa a repetirem o registo do maior aumento anual dos últimos 30 anos.

Este aumento de gastos traduz-se, inevitavelmente, na necessidade de redução de outras despesas públicas, como o investimento (Formação Bruta de Capital Fixo) e os apoios sociais (pensões de reforma, subsídios de desemprego e abono de família), situação que não parece conhecer fim anunciado, tanto mais que as despesas europeias (cujos estados membros são maioritariamente membros da NATO) em gastos militares dispararam, ultrapassando o nível da última fase da Guerra Fria.

São regularmente anunciados novos e maiores pacotes de ajuda à Ucrânia, o mais recente dos quais foi o de 61 mil milhões de dólares aprovado pela Câmara dos Representantes dos EUA, mas raramente se ouve qualquer referência ao facto de isso representar um gasto adicional de dinheiros públicos suportados pelos mesmos cidadãos europeus e norte-americanos que vêem reduzidas as políticas de investimento em desenvolvimento e infraestruturas e os apoios sociais, cujos efeitos só mais tarde se tornarão claramente evidentes.

Aos custos mais ou menos directos representados pelo armamento, somam-se os das bases dos EUA/NATO que, a partir do território europeu, desempenham papéis fundamentais no apoio a operações de guerra na Ucrânia ou no Médio Oriente e os futuros gastos em armamento e munições indispensáveis para repor os stocks dos exércitos dos diversos estados-membros.

Mas não é só no Ocidente (Europa e EUA) que se assiste a uma corrida aos armamentos e embora as duas regiões representem aproximadamente 1,5 biliões de dólares (cerca de 63% dos gastos globais), também a região da Ásia Oriental, onde pontifica a China, cresceu 6,1% e ultrapassou os 400 mil milhões de dólares, no último ano.

Fruto do conflito na Ucrânia, os gastos militares na Europa aumentaram 16%, atingindo os 588 mil milhões de dólares em 2023, valor que representou um aumento de 16% relativamente ao ano anterior. Com 74,9 mil milhões de dólares e um crescimento de 7,9% relativamente ao ano anterior, o Reino Unido continuou a ser o maior gastador militar na região; na Alemanha as despesas militares cresceram pelo segundo ano consecutivo, atingindo os 66,8 mil milhões de dólares e com o anúncio que pretendia cumprir a meta anual de 2% do PIB a partir de 2024, deverão manter essa tendência.

A própria Ucrânia tornou-se o oitavo maior gastador militar do mundo em 2023, com os gastos militares a aumentarem 51% e a atingirem os 64,8 mil milhões de dólares em 2023, valor que o SIPRI estima equivaler a 59% das despesas militares da Rússia no mesmo ano. Este valor não inclui a ajuda militar recebida de mais de 30 países, que terá totalizado pelo menos 35 mil milhões de dólares e está contabilizada nos gastos dos países “doadores” onde pontificam os EUA, com 25,4 mil milhões, e o Reino Unido, enquanto à cabeça da UE surge a Alemanha.

Os gastos militares na Europa Central e Ocidental atingiram 407 mil milhões de dólares em 2023, um aumento de 10% em relação a 2022 e de 43% em relação a 2014.

Outra dimensão desta realidade é a transmitida pela Polónia cujos gastos militares cresceram 75% entre 2022 e 2023, elevando-se até aos 31,6 mil milhões de dólares, naquele que foi de longe o maior aumento anual registado por qualquer país europeu. As despesas militares polacas foram 181% mais elevadas em 2023 do que em 2014, mas o mais alarmante é que estas despesas foram parcialmente financiadas através de um mecanismo de financiamento extra-orçamental que não mereceu o menor reparo dos sempre zelosos e “frugais” burocratas europeus que, há pouco mais de uma década e em nome da necessidade de uns mal explicados princípios de equilíbrio financeiro, condenaram a uma sangria financeira as populações dos países do sul da Europa.

Em resumo; os biliões de dólares mundialmente alocados a gastos militares não podem ser entendidos como absoluto desperdício (as encomendas que trazem ao sector industrial sempre têm algum reflexo positivo na criação de emprego e na distribuição de rendimento dela resultante, nem alguma vez será possível abdicar completamente de forças armadas e do respectivo equipamento pois sempre haverá alguma forma de conflito algures no Mundo), mas podemos (e devemos) questionar a lógica económico-financeira do actual modelo de capitalismo financeirizado que garante recursos ilimitados para o complexo militar-industrial ou para o sector financeiro, enquanto resiste à atribuição de fundos para resolver questões globais, como a saúde ou a fome, sempre preteridas na teia de interesses onde o lucro se sobrepõe a tudo e a todos.

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