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Quinta-feira, Abril 18, 2024

Os desafios da questão demográfica

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Desde o congresso do PS e duma proposta onde o «PSD quer pagar aos portugueses 10 mil euros por cada filho» que a questão demográfica mereceu alguma atenção mediática, continuando na origem deste interesse a questão da sustentabilidade do sistema social provocada pela redução da natalidade. Mas será este um fenómeno novo ou específico do país?A resposta encontra-se na simples observação da evolução do número anual de nascimentos desde a década de 60 do século passado, altura em que aquele número chegou a ultrapassar os 200.000 nados-vivos anuais.

Desde então esse número tem caído regularmente (a excepção foi um curto período no pós-25 de Abril) para se situar bem abaixo dos 100.000 por ano. Confirmando que este não é um fenómeno nacional veja-se a evolução do número médio de filhos por mulher nos 28 países da UE e atente-se na estreita correlação entre os países com menores indicadores de fecundidade e os que apresentam economias com piores desempenhos, a par com facto das maiores reduções terem ocorrido em países maioritariamente católicos, como a Itália, a Irlanda e Portugal.

Mas a variação da população não é apenas explicada por alterações na taxa de natalidade. Para tal contribui igualmente o número de óbitos, de cuja comparação com os nascimentos resulta o chamado saldo natural, e o saldo migratório (diferença entre o número de emigrantes e de imigrantes), que no caso da UE tem registado crescimento suficiente para compensar a quebra no saldo natural.

Já no caso português constata-se que a par do saldo natural negativo (número de óbitos superior ao dos nascimentos) se regista igualmente um saldo migratório negativo, ou seja o número de emigrantes é superior ao dos imigrantes, situação que se explicará pela menor atractividade da economia doméstica para os cidadãos estrangeiros e pelo número excessivamente elevado de portugueses (maioritariamente jovens) que nos últimos anos foram obrigados a procurar trabalho no estrangeiro. A reduzida atractividade da economia nacional só foi contrariada em 1975 quando se registou o epifenómeno do retorno de centenas de milhares de residentes das ex-colónias portuguesas e na década iniciada em meados dos anos 90, aquando do rápido desenvolvimento originado pela adesão à UE, que se esvaziaria com o eclodir da crise e da aplicação do programa de austeridade decidido pela Comissão Europeia e pelo FMI.

E será que o aparentemente desejado aumento da população faz sentido quando são cada vez mais evidentes as limitações dos recursos naturais e quando a redução do número de nascimentos parece, principalmente, fruto da associação de outros factores – uma opção cultural e uma reacção às condições de instabilidade no mercado de trabalho –, como o próprio ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social já salientou.

Assumindo que a natalidade parece cada vez mais dependente de escolhas pessoais, mas que questões como os baixos rendimentos, a precariedade laboral e o prolongamento dos horários de trabalho, as carências ao nível de infraestruturas como o alojamento, a escassez de creches e os elevados custos da educação, constituem obstáculos efectivos ao seu aumento, melhorias poderão ser obtidas mediante a correcção daqueles entraves mas nunca as suficientes para assegurar a substituição de gerações sem o recurso a políticas de fomento da imigração, quando ao que tudo indica a baixa da natalidade é um dado civilizacional durável.

Sem perspectivas de recuperação do saldo natural e perante um quadro de emigração das camadas mais jovens (com a agravante das mulheres em idade fértil virem a ter os seus filhos no estrangeiro) sem contrapartida na atracção de novos emigrantes (porque nada faz prever que a economia nacional adquira uma nova e maior atractividade), a questão da sustentabilidade do estado-social, subjacente à preocupação demográfica, terá que encontrar outro tipo de resposta que não passe pela abordagem demográfica. Uma hipótese é, claramente, o financiamento do estado-social por via fiscal, opção que não tem forçosamente que implicar mais agravamentos nas componentes fiscais já conhecidas (IVA, Segurança Social, ISP, etc.) mas introduzindo novos impostos sobre vertentes até agora poupadas, como a economia digital, as movimentações financeiras de carácter especulativo, os activos patrimoniais de grande valor e as novas formas de produção associadas à robotização.

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