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Quarta-feira, Março 27, 2024

Os grandes bancos e a manipulação dos mercados

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Depois de na passada semana aqui termos trazido uma avaliação quantitativa sobre os efeitos da actuação do sector financeiro e de termos denunciado os efeitos perversos para as economias (ver o artigo O que poucos ousam dizer sobre a City de Londres), importa agora não deixar esquecer outros casos que nos últimos anos têm ensombrado um sector económico que pretende ver reconhecida uma importância superior à que deve ter e merece.

Quem já esqueceu os casos de manipulação de taxas cambiais, que levaram à condenação de três bancos nos EUA, o últimos dos quais foi o nosso bem conhecido Deutsche Bank, em meados de 2018?

Para este banco alemão e os seus parceiros Citigroup e Barclays esta foi apenas uma reedição doutra condenação ocorrida em finais de 2013, quando sete dos grandes bancos mundiais foram acusados de manipulação do mercado cambial; a saber os bancos norte-americanos Citigroup e JPMorgan Chase, os britânicos Barclays e Royal Bank of Scotland, o alemão Deutsche Bank e os suíços UBS e Credit Suisse. Este fenómeno já se tinha feito sentir em 2014 (envolvendo então os bancos britânicos HSBC e Royal Bank of Scotland, os norte-americanos Citibank e JP Morgan Chase e o suíço UBS) mas, então como agora, nada foi feito para minimizar a probabilidade de se voltar a repetir a fraude. Além das multas – fixadas numas centenas de milhões que pouca ou nenhuma diferença parecem fazer sentir – e uma ou outra demissão à parte, nenhum dos bancos viu revogadas as suas licenças de operação.





Casos deste tipo repetem-se noutras situações, como o famoso caso da manipulação da Libor (siglas da denominação em inglês da taxa interbancária – London Interbank Offered Rate – que funciona como indexante para a esmagadora maioria das operações de crédito e de derivados), realizada entre 2005 e 2010 por um grupo de dezoito bancos, entre os quais se contava o suíço UBS, os ingleses Barclays e Royal Bank of Scotland, e o holandês Rabobank. Paralelamente a Comissão Europeia multava sete bancos e uma empresa de corretagem acusados de terem estabelecido um cartel para manipularem o mercado de derivados; fixadas num valor total de 1.700 milhões de euros, as multas foram prontamente pagas pelo JP Morgan e Citigroup (respectivamente o primeiro e o terceiro banco dos EUA), pelo Deutsche Bank (o principal banco alemão), pela Société Générale (o terceiro banco francês), pelo Royal Bank of Scotland (o terceiro banco britânico), e a corretora RP Martin, enquanto a UBS (o primeiro banco suíço) e o Barclays (o segundo banco britânico) se livravam da sanção por terem denunciado o cartel.

Este resumidíssimo historial reflecte uma clara opção das administrações dos grandes bancos por actuações à margem das regras estabelecidas (ou no mínimo nas suas muito fluídas fronteiras), as quais, como sabemos, têm vindo a ser cada vez mais ajustadas aos seus interesses, o que ainda assim parece insuficiente para os contentar.

Tão insuficiente que mais recentemente veio à luz outro caso de más práticas bancárias quando o Bureau of Investigative Journalism denunciou que os principais bancos permitiram que burlões roubassem milhares de milhões de libras de fundos públicos através da manipulação dos reembolsos de IVA. Tudo terá começado há cerca de uma década com a negociação de créditos de carbono, contratos que permitem ao seu titular emitir gases de efeito estufa, importados de fora do Reino Unido sem lugar a qualquer pagamento de IVA por este imposto não existir nos países de origem, que depois de vendidos ao sector bancário com a majoração do imposto não pago, foram objecto do costumeiro pedido de reembolso às autoridades tributárias.

A fraude dos créditos de carbono em sistema de carrossel começou em França e em função da reacção das autoridades tributárias foi-se deslocando para a Holanda e o Reino Unido, antes de migrar para a Alemanha e a Itália. Estima-se que no total, aquelas fraudes tenham custado aos governos da UE dezenas de milhares de milhões de euros antes do esquema ter sido descoberto, enquanto muitos dos principais actores continuam sem enfrentar a justiça.

Para se ter uma ideia da envolvente e dimensão deste mecanismo de carrossel lembre-se que, como noticiou recentemente o Expresso no âmbito do projecto internacional Grand Theft Europe (rede europeia de parceiros de comunicação social, a que pertence aquele jornal, criada para investigar o “carrossel do IVA”, a maior fraude fiscal em curso na União Europeia), até o nosso país chegou a ver-se envolvido no esquema quando chegou a ser utilizada uma empresa-fantasma sediada na Amadora no mega-desfalque ao fisco alemão.

Entre os bancos envolvidos contam-se os já referidos Royal Bank of Scotland, o Citibank e o Deutsche Bank com as autoridades a alegarem que bancos e corretores não fizeram o suficiente para garantir que os créditos negociados não estivessem ligados ao mecanismo de fraude, mas as notícias a apontarem apenas para a acusação de alguns dos seus quadros.

Este processo de responsabilização individual assemelha-se em tudo aos que assistimos em 1995, quando um dos operadores do Barings Bank, Nick Leeson, foi directamente responsabilizado pela perda de 1,4 mil milhões de dólares em operações especulativas que levaram à falência do banco, ou mais recentemente a situação análoga ocorrida em 2008 com Jérôme Kerviel, operador do banco francês Société Général, acusado de ter provocado, por iniciativa própria, um prejuízo da ordem dos 4,9 mil milhões de euros na negociação de derivados, que assim escamoteiam a responsabilidade de administrações e restantes estruturas directivas e de controle de riscos, deixando a imagem do saqueador astuto que age à revelia e a contrario sensu de uma estrutura impoluta e ingénua. A verdade, nua e crua, é que é essa mesma estrutura ávida de resultados rápidos e lucros chorudos que descura o controle de riscos, quando não incentiva as actuações que depois de expostas a público diz condenar.

Como se pode concluir pelo número e frequência de ocorrências apresentadas neste brevíssimo resumo, as malfeitorias parecem constituir mais a regra que a excepção e embora apresentadas como actos isolados e perpetradas por “aventureiros”, a responsabilidade deve ser atribuída às instituições e às respectivas administrações, por não poderem reclamar desconhecimento – isso seria confessar a sua ignorância sobre as matérias e o funcionamento das instituições que dirigem – nem negarem a evidência da opção por estratégias potenciadoras de grandes e rápidos ganhos, que não são exclusivo dos grandes bancos nem se resumem aos mercados de capitais.

 


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