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João de Sousa

Quinta-feira, Setembro 19, 2024

O dia em que Paulo Portas disse que Cavaco merecia um estalo

portas destaque

Paulo Portas saiu, pela segunda vez, da liderança do CDS, de lágrima no canto do olho.
Quem seguiu a sua carreira apenas nos últimos anos, pode ficar com a ideia de que se trata de um homem moderado, europeísta, politicamente correcto e que abomina os radicalismos. Sobretudo, os que vislumbra nos partidos de esquerda.

Mas quem se recorda do Paulo Portas que começou a dar nas vistas através de um jornal, seguramente não o reconhece nesta versão mais recente.

Uma forma muito útil de lembrar as ideias originais de Paulo Portas é através da leitura do livro “O Independente – A máquina de triturar políticos” que, escrito por Filipe Santos Costa e Liliana Valente, faz a revisitação dos anos em que Portas usava o semanário “O Independente” para fazer política.

 

Euro-céptico. Melhor dizendo, euro-alérgico.

Na altura, era tudo menos o homem que agora parece adorar a União Europeia e que entende não nos devermos afastar um milímetro que seja das regras que ela nos impõe.

Aliás, a origem de “O Independente” esteve na candidatura de Miguel Esteves Cardoso pelo PPM ao Parlamento Europeu, vestindo o fato de euro-céptico. Melhor dizendo, de euro-alérgico.

Paulo Portas partilhava da visão conservadora e anti-comunitária de Miguel Esteves Cardoso que acabou por ficar de fora do Parlamento Europeu, apesar de ter convencido 156 mil portugueses a darem-lhe o seu voto. A ideia que os dois venderam aos potenciais investidores de um novo jornal é que era garantido que, pelo menos, aí um terço dos que votaram em Miguel Esteves Cardoso iriam comprar “O Independente” todas as semanas, o que o tornava perfeitamente viável, do ponto de vista financeiro.

Tiveram sucesso nessas abordagens e nasceu, então, “O Independente”, em cujas páginas Paulo Portas se fartou de bradar contra os perigos da integração europeia, como a perda da identidade nacional, por se tratar de “um projecto alemão, sob a conivência gaulesa e pró-forma belga”. Acrescentava que não se conhecem processos democráticos de unificar a Europa, que “todos foram de apetite totalitário, pois só à força se assimilam gregos e ingleses, portugueses e espanhóis, alemães e escandinavos””. E atirava-se aos “boches autoritários” e aos franceses “colaboracionistas”.

 

As relações com Cavaco Silva

Quem só acompanhou a carreira de Portas nestes últimos tempos, recorda as boas relações que manteve com Cavaco Silva. Se nada conhecer do seu passado, não fará ideia que Cavaco, enquanto 1º ministro, e os seus ministros foram, em tempos, os alvos de estimação de Paulo Portas, que fazia o possível e quase o impossível para, em cada edição, os atacar forte e feio.

Aliás, Paulo Portas até escreveu que o então chefe de Governo merecia uns “estalos”. Tão dramático desabafo ocorreu após Cavaco Silva ter vindo apresentar vários argumentos contra a possibilidade – defendida por Portas – do Tratado de Maastricht ser referendado, sendo um deles o elevado custo financeiro que isso teria.

Um argumento pobre que fez saltar a tampa ao então director de “O Independente”, que, de imediato, decretou que “quem diz tamanha barbaridade merece um estalo daqueles que se dão às criancinhas quando fazem disparates insuportáveis”. Portas não escondia, de resto, o desprezo que sentia por Cavaco, que considerava ser uma “cabecinha orçamental” sem “talento diplomático nem pensamento estratégico”.

 

“Irreversível”

Nos tempos mais recentes, Paulo Portas viu-se associado à palavra “irreversível”, quando, com pompa e circunstância, anunciou a demissão “irreversível” do Governo liderado por Passos Coelho. Como se sabe, acabou por atirar a demissão para o caixote do lixo e subiu ao cargo de vice-primeiro-ministro.

Mas as suas promessas solenes e taxativas vêm muito de trás. Prometeu que só sairia do Independente quando aquele jornal vendesse mais um exemplar que o Expresso. Isso nunca aconteceu e Portas saiu para ocupar um cargo político. Ele que, curiosamente, também havia garantido que nunca iria submeter-se a votos e, consequentemente, nunca viveria da política.

capa independenteDaí para cá muita da sua carreira foi passada na Assembleia da República mas, nos tempos de “O Independente”, não parecia nutrir qualquer tipo de consideração pelos que se sentavam naquelas cadeiras, uma vez que a regra, escrevia, era “o deputado incompetente”. Nada melhor para vincar esse ponto do que ilustrar os deputados como autênticos burros, como fez numa das capas do seu jornal.

Na intervenção do Congresso do fim-de-semana, Paulo Portas alertou para a necessidade de Portugal se dar bem com Angola, independentemente da forma como aquele país é governado e das sombras e dúvidas que parecem envolver alguns dos seus governantes. Mas nem sempre o agora ex-líder do CDS se mostrou tão diplomata em relação ao regime angolano. Nos tempos em que era director de “O Independente” escrevia com todas as letras que José Eduardo dos Santos é “ditador”, “cínico” e “manipulador”.

Era assim Paulo Portas quando começou a construir a sua carreira à sombra de um jornal. Os anos passaram, o mundo mudou e, como se constata, Paulo Portas mudou também, e muito. Agora, sai de cena. Até ver.”

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